
A primeira bailarina clássica negra do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, Mercedes Batista, desencarnou aos 93 anos, no dia 19 de agosto de 2014. Não deveria virar notícia ser uma bailarina negra, mas é. E fatos de intolerância racial continuam acontecendo. Esse tema merece dos espíritas uma reflexão. Vamos pensar: Uma negra no balé clássico? Como aceitar isto? O palco do teatro não é só para os brancos? Que fato lamentável e também desafiador, não acham? Precisamos derrubar este muro de ilusão. Somos espíritos imortais, ou não nos reconhecemos como tal? Podemos renascer em corpos femininos ou masculinos, negros, brancos... E em qualquer parte deste lindo planeta Terra! Mas, de preferência, pensam alguns em relação aos negros: “eles lá e eu aqui”. Mas, espírita pensa assim também? Fica aí uma excelente oportunidade de análise. Com tantos casos de racismo e tantos outros tipos de intolerância, este é o momento de passarmos tudo a limpo, estudando os fatos, à luz dos ensinamentos da Doutrina Espírita. Ou fazemos uma análise de nossas ações ou pensamos que tipo de espírita somos nós?
Em memória a Mercedes Batista, que está na nossa lembrança pela conquista extraordinária de seu espaço na sociedade, é que dedicamos a matéria deste mês.
Trajetória de vida
A sua história é fantástica porque em 1945 Mercedes passou em concurso público e ingressou no Corpo de Baile do Theatro (com th, mesmo!) Municipal do Rio de Janeiro. O teste de seleção, realizado em 5 etapas, foi seu primeiro desafio, pois Mercedes, após aprovação nas quatro primeiras, não foi avisada para a última prova para mulheres e teve que disputar com os homens a última parte da seleção, demonstrando seu talento e perseverança.
Nasceu em 20 de maio de 1921 em Campos dos Goytacazes. Ainda jovem, mudou-se para o Rio de Janeiro onde trabalhou em diversas profissões, inclusive como empregada doméstica. Iniciou seus estudos de balé clássico e na dança folclórica com Eros Volúsia, no Serviço Nacional de Teatro. Em 1946 ingressou na Escola Estadual de Dança Maria Olenewa. Foi aluna do coreógrafo estoniano Yuco Lindberg.
Era viúva e não tinha filhos. Em 1948 conheceu o jornalista, escritor e sociólogo Abdias Nascimento (1914-2011), diretor-fundador do Teatro Experimental do Negro. Em 1952 foi para Nova York trabalhar com Katherine Dunham, antropóloga e pesquisadora de danças de origem afro.
Também foi figura importante no carnaval carioca. Em 1963 desfilou pelo Salgueiro, com o tema “Xica da Silva”. Coreógrafa da Comissão de Frente, que dançou o minueto na avenida, sua inovação passou a influenciar os desfiles das escolas de samba.
O professor Manoel Dionísio, da Escola de Mestre-Sala, Porta-Bandeira e Porta-Estandarte declarou ao site da globo.com: “Fomos muito criticados pela crítica carnavalesca como a coreografia maldita do carnaval. Dois anos depois começaram a copiar a gente”.
Livro de Paulo Melgaço
A vida de Mercedes Batista está contada no livro Mercedes Baptista – A criação da identidade negra na dança, do escritor Paulo Melgaço. Sua trajetória de sucesso também muito contribui para a valorização da cultura brasileira na reafirmação do negro como artista.
Que dívida enorme a sociedade brasileira contraiu com os negros! Uma sociedade colonizada pelo modelo europeu e construída pelas mãos, suor e sangue dos negros, não os reconhece e nem lhes dá valor. Onde estão nossos heróis negros nos livros de história? Livros escritos pela ótica do branco, inclusive os de histórias infantis o negro, muitas vezes, é mostrado como indolente, ignorante, ou nem aparece. Atualmente, registramos algumas mudanças, mas precisamos rever urgentemente esses valores.
Meu aprendizado
Interessante, porque descendo de espanhóis e portugueses, por parte de mãe e de franceses e portugueses, por parte de pai. Quando criança eu ouvia de mamãe algumas histórias típicas de racismo. Uma delas aconteceu, certa vez, quando uma tia de minha mãe chegou em casa indignada por ver na rua uma negra vestindo uma roupa com a mesma estampa do seu vestido. Ela então destruiu seu próprio vestido com uma tesoura porque “uma negrinha estava vestindo uma roupa igual à sua”. Pois bem, meus quatro tios, irmãos de minha mãe, já desencarnados, resolveram “colorir a família”, como dizemos. Tenho primos de pele clara, outros morenos, outros bem morenos, da cor do chocolate para contrastar com nossa brancura. Que ótimo!
Cresci assim, todos juntos e misturados, como dizem. Certa vez, na hora do almoço, passava pela Rua República do Líbano, perto da sede antiga do Lar Fabiano de Cristo, onde trabalho, e ouvi um alegre: - Oi, prima, bom te ver! E meus amigos ficaram surpresos, quando apresentei meu primo, com nome espanhol e pele cor de chocolate, aquele bem escuro, e nós, muito felizes, nos abraçamos, emocionados pela alegria do reencontro.
Bendita Doutrina Espírita que conheci criança, e bendita lei de reencarnação que fazem quebrar as nossas arrogâncias, poses e ignorâncias quanto à bondade de Deus que nos coloca como irmãos, iguais e diferentes ao mesmo tempo. Tudo é tão passageiro nesta vida! Somente o amor é verdadeiro, eterno e real construtor da felicidade! Vivamos, portanto, como espíritos imortais e seremos sempre felizes!
Obrigada Mercedes Batista e parabéns pela sua negritude!
Muita paz para todos!
Fontes:
Sites: globo.com; Fundação Cultural Palmares e Teatro Municipal do Rio de Janeiro.