Uma das instituições jurídicas e sacras que causa grandes debates no meio religioso é o casamento. Inicialmente, há de se ter em mente que o casamento é uma instituição que teve origem religiosa, mas foi estatizada com o tempo. Na verdade, o casamento foi uma forma de se impor autoridade moral às relações entre homens e mulheres, tendo como origem o estabelecimento do modelo de família monogâmica feito por Moisés, em Levíticos 18, cujo principal objetivo foi a preservação da família e garantia da sobrevivência da prole. Em que pese ter nascido no seio religioso, o casamento foi dessacralizado ao longo da história. Todavia, em que pese os ensinamentos entre Igreja e Estado, oferecidos por John Locke, na Inglaterra, desde 1689, o Brasil só passou a adotá-los muito tempo depois. Locke afirmava que: “O Estado nada pode em matéria puramente espiritual, e a Igreja nada pode em matéria temporal”.
A Constituição Imperial de 1824 manteve o poder da Igreja sobre o casamento. Todavia, apenas em 1861, iniciamos o movimento de laicidade estatal com a separação da Igreja do Estado. Passamos a reconhecer os diversos cultos e regulamos o casamento dos não católicos. Antes, o ato nupcial era praticado somente por sacerdotes da Igreja Católica. O Decreto nº 521, de 1890, proibia a celebração de casamento religioso antes do civil e punia os infratores com multa e prisão de seis meses. A primeira constituição republicana, de 1891, reconheceu validade apenas do casamento civil e assegurou gratuidade de sua celebração. Em que pese todos esses avanços jurídicos, o casamento religioso manteve-se na preferência popular. Era menos burocrático, menos caro e a autoridade religiosa deslocava-se ao local da celebração. A autoridade civil somente ia mediante pagamento de despesas com burocracia e deslocamento.
O Código Civil de 1916 não regulamentava o casamento religioso com efeitos civis. Em função do apelo do povo, a Constituição de 1934, em seu artigo 146, assegurou validade para o casamento celebrado “perante ministro de qualquer confissão religiosa, cujo rito não contrarie a ordem pública ou os bons costumes...”. A Lei nº 379, de 1937, posteriormente alterada pelo Decreto-lei nº 3.200, de 1941, foi a primeira a regular o casamento religioso para fins civis.
Posteriormente, toda essa legislação foi revogada pela Lei nº 1.110, de 1950, que regulou minuciosamente os efeitos civis do casamento religioso. A Constituição de 1937 limitou-se em considerar indissolúvel o casamento. A Constituição de 1946, assim como a Constituição de 1967 e a Emenda de 1969, em nada inovaram sobre o assunto. Nossa atual Constituição reconhece efeitos civis ao casamento religioso, a teor do art. 226, §2º. No campo infraconstitucional, a matéria está normatizada pela Lei nº 6.015, de 1973, a Lei de Registros Públicos. O Código Civil em vigor dispensa relevância ao assunto através dos artigos 1.512, 1.515 e 1.516, mantendo a sistemática da Lei de Registros Públicos. A única alteração introduzida foi quanto ao prazo para o registro do casamento religioso. Antes, era de trinta dias. Agora, passou para noventa dias.
O Estado não enumerou as religiões ou cultos com a prerrogativa de celebrarem casamento religioso com efeito civil. Nem poderia. Em 1950, a Lei n. 1.110 foi alvo de críticas por não delinear quais seriam as religiões idôneas para a formalização do casamento. Todavia, como o Estado é laico, o legislador não poderia oficializar alguns cultos religiosos e relegar outros à marginalidade. Vale salientar que, em 1937, a Lei nº 379 violava aparentemente a constituição vigente exatamente por estabelecer que os únicos ministros religiosos autorizados a celebrar casamento, além dos católicos romanos, seriam os da fé protestante, católico grego, católico ortodoxo ou israelita. Todavia, dava margem para que outros cultos pudessem casar seus seguidores, desde que o rito não contrariasse a ordem pública ou os bons costumes.
Conforme nos ensina o Espírito da Verdade, no Livro dos Espíritos: “696. Que efeito teria sobre a sociedade humana a abolição do casamento? Seria uma regressão à vida dos animais”. Por sua vez, no Evangelho segundo o Espiritismo: “4. Será então supérflua a lei civil e dever-se-á volver aos casamentos segundo a Natureza? Não, decerto. A lei civil tem por fim regular as relações sociais e os interesses das famílias, de acordo com as exigências da civilização; por isso, é útil, necessária, mas variável. Deve ser previdente, porque o homem civilizado não pode viver como selvagem; nada, entretanto, nada absolutamente se opõe a que ela seja um corolário da lei de Deus. Os obstáculos ao cumprimento da lei divina promanam dos prejuízos e não da lei civil. (...) Um dia perguntar-se-á o que é mais humano, mais caridoso, mais moral: se encadear um ao outro dois seres que não podem viver juntos, se restituir-lhes a liberdade; se a perspectiva de uma cadeia indissolúvel não aumenta o número de uniões irregulares” (Capítulo XXII).
Vide: Bíblia on line; Livro dos Espíritos (FEB); Evangelho segundo o Espiritismo (FEB)