“Pois Deus não nos deu espírito de covardia, mas de poder, de amor e de equilíbrio”
Em uma de suas muitas epístolas, Paulo de Tarso, o apóstolo dos gentios (de todas as gentes), deu o seguinte conselho a Timóteo: “Pois Deus não nos deu espírito de covardia, mas de poder, de amor e de equilíbrio”. Ao mesmo tempo que recomendava não se deixar dominar pelo medo, o pregador de todas as gentes exortava que a coragem é irmã da prudência e do equilíbrio. Tais virtudes compõem o caráter do homem justo. Na Grécia antiga, a justiça era representada mitologicamente por Themis, filha de Urano (o céu, o paraíso) e de Gaia (a Terra), uma divindade da segunda geração, criada, juntamente com sua irmã Nêmesis, pelas Moiras.
Themis era a deusa da consciência coletiva e da ordem social, da lei espiritual divina, da paz, do ajuste de divergências, da justiça divina, dos encontros sociais, dos juramentos, da sabedoria, da profecia, da ordem, dos nascimentos, das cortes e dos juízes. Iconograficamente, Themis era retratada empunhando uma balança, por meio da qual equilibrava seus julgamentos com a razão. Na mitologia romana, a divindade dos justos passou a ser a deusa Iustitia (ou Justitia).
Era retratada de olhos vendados e suas mãos seguravam uma balança, já com o fiel ao meio. Seus olhos eram vendados para aguçar sua audição e segurava a balança, com suas mãos, de forma bem firme. Distribuía, pois, a justiça por meio da balança que segurava com as duas mãos. Assim, quando o fiel da balança encontrava o equilíbrio, Iustitia dizia e declarava o direito, entregando sua sentença, isto é, seus sentimentos aos envolvidos.
Por sua vez, Nêmesis era a deusa que personificava o destino e a vingança divina. Seu nome, originalmente, significava distribuição da sorte, nem boa, nem má, apenas a simples proporção devida a cada um segundo seu merecimento. Quando alguém sofria por uma atitude alheia, Nêmesis não permitia que o ofensor passasse impune. Nas tragédias gregas, Nêmesis apareceu principalmente como vingadora dos crimes e castigadora da arrogância. Carregava nas mãos uma ampulheta e uma espada, advertindo que a retribuição poderia demorar, mas seria certeira e inevitavelmente executada.
A diferença entre as irmãs era a motivação. Enquanto Themis, a Justiça, buscava reparar um mal sofrido, com um bem a ser feito, Nêmesis, a Vingança, retribuía um mal, não raro, com outro. O que as diferenciava? Os objetos que ostentavam. Themis ostentava a balança, que segurava com as duas mãos e representava o equilíbrio. Nêmesis portava a ampulheta e a espada, que representavam a inevitabilidade e a execução da irá dos deuses.
Na seara Cristã, Jesus nos ensina que o estado de felicidade do espírito depende de sermos justos (“Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque eles serão fartos” - Evangelhos de Mateus V;1-12 e de Lucas VI;20-49). Todavia, para sermos justos, antes de tudo, temos que ser corajosos e equilibrados como Paulo adverte a Timóteo. A covardia nos faz silenciar diante da injustiça e nos faz ser omissos quando um inocente paga por um crime que não cometeu. Nesse ponto, há que se ter em mente que coragem é característica dos Espíritos Superiores.
Todavia, o que é ser corajoso? É ser violento e agressivo? É ser imprudente e descuidado? Certamente não! Coragem não é ausência de medo. Medo é um sentimento nato ao ser humano mediano. É natural sentir temor, pois é uma reação natural, oriunda de nosso instinto de sobrevivência. Coragem é não se deixar dominar pelos sentimentos de fobia e ter a altivez de saber se posicionar diante das escolhas morais da vida. Nisso reside o conselho do missionário de todos os povos. Diante de qualquer hipótese em que sejamos testados em nossos valores morais, o posicionamento do cristão deve ser firme e altivo, porém cândido e equilibrado.
Isto porque alto deve ser o valor de nosso caráter e do conteúdo de nossas manifestações, não o volume de nossa voz ou a agressividade de nosso discurso. Indagado por Allan Kardec, o Espírito de Verdade assim respondeu quando indagado sobre a justiça:
“873. O sentimento da justiça está na Natureza, ou é resultado de ideias adquiridas? Está de tal modo na Natureza, que vos revoltais à simples ideia de uma injustiça.
É fora de dúvida que o progresso moral desenvolve esse sentimento, mas não o dá. Deus o pôs no coração do homem. Daí vem que, frequentemente, em homens simples e incultos se vos deparam noções mais exatas da justiça do que nos que possuem grande cabedal de saber.
(...) 875. Como se pode definir a justiça? A justiça consiste em cada um respeitar os direitos dos demais.”
Guardemos, por fim, a lição do Mestre de Nazaré, que se deixou imolar no madeiro infame da cruz, perecendo de braços abertos. Sua iconografia e simbolismo nos ensinam que Jesus não quer que fiquemos de braços cruzados diante da injustiça, mas não devemos, nunca, perder a serenidade.
Vide: Bíblia online e O Livro dos Espíritos. FEB. Ed. online.