Umas das passagens mais incompreendidas no Novo Testamento encontra-se narrada no Evangelho de Lucas, mais precisamente no capítulo 17. No verso 1, temos a seguinte lição do Mestre: “E disse aos discípulos: É impossível que não venham escândalos, mas aí daquele por quem vierem!” (Lucas 17:1).
Nos tempos contemporâneos, os escândalos vêm sendo fomentados, articulados e utilizados como forma de se atacar quem pensa diferente. Por meio das redes sociais, que garantem aos seus usuários uma sensação de anonimato e impunidade, muitas pessoas se expressam de forma agressiva e violenta, ao comentarem sobre o próximo e suas ideias. Inicialmente, sob uma ótica eminentemente jurídica, há que se ter em mente que nosso Sistema Jurídico Cosmopolita garante a todos a liberdade de expressão, conhecida como Freedon of Speech no Direito Internacional.
O Freedon of Speech se trata de uma das maiores conquistas das Revoluções Oitocentristas, que assegurou a todo e qualquer cidadão o direito de livremente exercer suas escolhas e manifestar seu pensamento. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, datada de 1791, na França, não a consagra de forma expressa, tratando-a de forma genérica: Art. 4.º - A liberdade consiste em poder fazer tudo o que não prejudique o próximo: assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem por limites senão aqueles que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos.
Esstes limites só podem ser determinados pela lei. Por sua vez, a 1ª Emenda à Constituição dos Estados Unidos da América, a consagrou expressamente em 1791: “O congresso não deverá fazer qualquer lei a respeito de um estabelecimento de religião, ou proibir o seu livre exercício; ou restringindo a liberdade de expressão, ou da imprensa; ou o direito das pessoas de se reunirem pacificamente, e de fazerem pedidos ao governo para que sejam feitas reparações de queixas”.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, é clara ao determinar que: Artigo 19. Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras. Atualmente, nossa Constituição consagra a todos o direito de livremente manifestar seus pensamentos e opiniões, vedando expressamente o anonimato e assegurando a todos o direito de resposta: Art. 5º. (...) IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem.
Os princípios e as normas jurídicas acima guardam total relação de pertinência temática com os ensinamentos do Cristo. Os escândalos são eventos inevitáveis em um mundo de provas e expiações, uma vez que é característica de espíritos inferiores não aceitar a opinião alheia e impor a sua vontade, independentemente de estarem associadas a verdade ou não. Um dos traços da inferioridade moral é confundir divergência de opinião com ataque pessoal. Daí o nascimento da contenda opinativa que se convencionou chamar de escândalo. Há, basicamente, duas formas de se trazer à lume os escândalos.
A primeira se dá por meio dos agentes que o criam; a segunda se dá por meio das pessoas que o propagam. Observe-se que, ao mesmo tempo que o Cristo consagra a inevitabilidade dos escândalos, ele nos ensina que devemos evita-lo ao máximo. Para que possamos entender a lição do Cristo, temos que ter em mente que a Dialética se trata do ramo da Filosofia que estuda o debate. Para tanto, a discussão de ideias deve ser feita dentro de um ambiente de respeito e tolerância. Todas as ideias são concebidas para serem discutidas e é saudável que as opiniões sejam confrontadas para que possam ser aperfeiçoadas.
A evolução do pensamento humano depende da crítica, entendendo-se esta como o juízo de opinião sobre a ideia alheia, não necessariamente negativo ou positivo, mas feito com a finalidade de se contribuir para o aperfeiçoamento dos homens. O que não se admite, tanto na Lei de Deus, quanto na Lei dos Homens, é que a liberdade de expressão seja utilizada como forma de se ofender e humilhar o próximo. Por isso que a Lei dos Homens veda o anonimato e a Lei de Deus ensina que se deve evitar ao máximo ser o agente do escândalo. O Evangelho Segundo Espiritismo clarifica essa passagem dizendo que é necessário que ocorram os escândalos, afinal o homem ainda são imperfeitos e têm inclinação ao mal. Mas como diria o apóstolo Paulo: “Tudo me é permitido, mas nem tudo convém”. Guardemos a lição do Mestre. Não nos abstenhamos de expor nossas opiniões, mas, ao fazê-lo, tenhamos como norte inafastável o engrandecimento do pensamento humano. Saibamos apresentar o contraponto de forma ponderada e racional, guardando, sempre e para sempre, o respeito e a tolerância com o próximo e com suas ideias.
Vide: Bíblia on line; Livro dos Espíritos (FEB); Evangelho segundo o Espiritismo (FEB).