Um dos grandes problemas enfrentados pelos diversos segmentos religiosos consiste no tênue equilíbrio entre a tolerância e o proselitismo. Por proselitismo, na seara do sagrado, entende-se a prática de catequisar e atrair novos convertidos (prosélitos) para sua fé. É a ação ou empenho de tentar converter uma ou várias pessoas em prol de determinada causa, doutrina, ideologia ou religião. O problema do proselitismo reside no fato que, não raro, as pessoas que o praticam, utilizam técnicas de persuasão antiéticas e muitas vezes agressivas, violando o que se entende por tolerância e respeito em matéria de ecumenismo. Sobre o tema, três julgamentos do Supremo Tribunal Federal merecem especial atenção.
Recentemente, o Plenário do STF, julgou inconstitucional a proibição a proselitismo de qualquer natureza na programação das emissoras de radiodifusão comunitária. Segundo os ministros, a norma constitui censura prévia e ofende ao princípio constitucional da liberdade de expressão. Por maioria de votos, foi julgada procedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 2566, ajuizada pelo Partido da República (antigo Partido Liberal) contra dispositivo da Lei nº 9.612/1998 (art. 4º, §1º1) que instituiu o Serviço de Radiodifusão Comunitária. Em que pese o Ministro Alexandre de Morais ter ressaltada que o objetivo do dispositivo de lei era assegurar a liberdade de expressão ao proibir a propagação enfática, sectária de uma determinada doutrina, este restou vencido.
Assim, prevaleceu o entendimento de que as rádios comunitárias estão livres para estabelecer sua programação da forma que melhor entenderem, ainda que seja para atrair fiéis para determinados credos e ideologias. O segundo julgado que chamou a atenção foi a improcedência da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 4439 na qual a Procuradoria-Geral da República (PGR) questionava o modelo de ensino religioso nas escolas da rede pública de ensino do país. Por maioria dos votos, os ministros entenderam que o ensino religioso nas escolas públicas brasileiras pode ter natureza confessional, ou seja, vinculado a um ou a determinados segmentos religiosos.
Na ação, a PGR pedia a interpretação conforme a Constituição Federal ao dispositivo da Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB (art. 33, caput, e §§ 1º e 3º, da Lei nº 9.394/1996) e ao ar. 11, §1º do acordo firmado entre o Brasil e a Santa Sé (promulgado por meio do Decreto 7.107/2010) para assentar que o ensino religioso nas escolas públicas não pode ser vinculado a religião específica e que fosse proibida a admissão de professores na qualidade de representantes das confissões religiosas. Prevaleceu o entendimento de que, sendo facultativa a oferta do ensino religioso, ela pode ter um viés confessional, sem que isso viole o caráter laico do Estado.
Por fim, vale destacar o julgamento do Recurso Ordinário em Habeas Corpus (RHC) 134682 para determinar o trancamento de ação penal em curso no Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) na qual o Monsenhor Jonas Abib respondeu à acusação de incitação à discriminação religiosa.
O sacerdote da Igreja Católica foi denunciado pelo Ministério Público da Bahia por incitação à discriminação religiosa, crime previsto no art. 20, §§2º e 3º, da Lei 7.716/1989, em razão do teor de livro de sua autoria intitulado “Sim, Sim, Não, Não - Reflexões de cura e libertação”. Segundo a acusação, o padre teria feito afirmações discriminatórias e preconceituosas contra a religião espírita e a religiões de matriz africana, como a umbanda e o candomblé, incitando a destruição e desrespeito a seus objetos de culto. Em que pese terem considerando o teor da obra “intolerante, pedante e prepotente”, não identificaram a tipicidade da conduta criminal.
Os três julgamentos acima destacados denotam uma tendência do STF em tolerar e permitir que o proselitismo religioso se desnature em ataques a fé alheia, em nome de uma pseudoliberdade de expressão. Ao anuir com a propagação de um discurso de desrespeito a diversos segmentos religiosos, as autoridades judiciais permitem a disseminação do ódio e da ignorância.
Vale lembrar que o Espiritismo respeita todas as religiões e doutrinas, valoriza todos os esforços para a prática do bem e trabalha pela confraternização e pela paz entre todos os povos e entre todos os homens, independentemente de sua raça, cor, nacionalidade, crença, nível cultural ou social. Por fim, ensina o Cristo: “Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros”(João, XIII:35)2.
1 Art. 4º. (...) § 1º É vedado o proselitismo de qualquer natureza na programação das emissoras de radiodifusão comunitária.