Um dos pilares sob os quais se funda o Estado Democrático de Direito, em seu modelo laico, é a liberdade de credo e de crença, na qual se garante, com o status de direito fundamental individual, a faculdade de se escolher um vínculo religioso que ligue o indivíduo ao que ele considera sagrado, bem com a liberdade de não manter ligação com qualquer segmento religioso. Tal direito é corolário do princípio fundamental de garantia de liberdade de consciência, materializado, especialmente, no art. 5º, VI, da Constituição da República (art. 5º. (...) VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;) e exige que o Poder Público mantenha uma posição neutra e respeitosa em relação ao espaço reservado ao sagrado.
Em recente decisão, a Suprema Corte dos Estados Unidos da América manifestou-se a favor de um confeiteiro que se recusou a confeccionar um bolo de casamento para um par homoafetivo, alegando a liberdade de consciência e credo para tanto, uma vez que a celebração da união de pessoas do mesmo sexo violaria sua fé e sua religiosidade. Em que pese os irmãos que transitam nesta encarnação pela homoafetividade serem dignos de toda nossa atenção, carinho e respeito, a decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos da América revela-se, a nosso ver e salvo melhor juízo, acertada, pelas razões que passamos a expor. Em 2012, um casal gay denunciou a Masterpiece Cakeshop Ltd., de propriedade de Jack Phillips à Comissão de Direitos Civis do Colorado, uma vez que este se recusou a confeitar um bolo para comemorar seu enlace nupcial. A Comissão deu vitória ao casal, considerando que a recusa de Jack Phillips era violadora das leis que proíbem a discriminação por orientação sexual, ainda que fundamentada em exercício de liberdade de consciência religiosa, valendo-se, todavia, de uma fundamentação agressiva e depreciativa da fé e do sagrado. A Corte do Estado do Colorado manteve a decisão, porém abriu a possibilidade de levar a questão à Suprema Corte dos Estados Unidos da América.
Em sua arguição de relevância para que a matéria fosse apreciada em exercício de jurisdição constitucional, Jack Phillips alegou violação à 1ª Emenda da Constituição dos EUA1 e que já forneceu bolos para clientes gays em outras circunstâncias. Todavia, argumentou que fazer um bolo para um casamento entre pessoas do mesmo sexo seria um endosso do mesmo e, portanto, uma violação de suas crenças religiosas e sagradas. Após um julgamento que foi considerado como um dos mais esperados do ano, tanto pela academia de direito, quanto pelos meios de comunicação em geral, a Suprema Corte dos Estados Unidos da América decidiu que as penalidades estatais contra Jack Phillips, no caso Masterpiece Cakeshop Ltd. contra a Comissão de Direitos Civis do Colorado, violaram seus direitos constitucionalmente assegurados pela 1ª Emenda, a saber, o livre exercício de suas liberdades religiosas.
O ponto fulcral foi o fato de que a decisão da Comissão de Direitos Civis do Colorado promoveu uma série de hostilidades gratuitas às crenças religiosas, comparando-as com regimes escravocratas e até ao holocausto nazista. Assim, por estar eivada de parcialidade e agressividade inarrazoada, foi considerada nula de pleno direito. “Esta é uma decisão estreita, baseada em fatos, baseada em dois tipos de indicadores de que os tomadores de decisão do estado do Colorado eram hostis às crenças religiosas tradicionalistas de Phillips sobre o casamento”, manifestou-se Thomas Berg, professor de direito da Universidade de St. Thomas, Minnesota. Há que se observar que a referida decisão somente se aplica ao caso de Jack Phillips e não abre precedente para que seja aplicada em situações aparentemente análogas. Neste sentido, o Chief of Justice Anthony Kennedy reconheceu que outros casos, tais como serviços de fotógrafos ou floristas, poderão ser decididos de forma diferente. Assim, a decisão da Suprema Corte dos EUA se trata de relevante mensagem às autoridades públicas para que mantenham sua posição de laicidade, secularidade e neutralidade em relação à liberdade de crença e credo, bem como aos diversos segmentos que compõem a religião no Estado Democrático de Direito.
1 “O congresso não deverá fazer qualquer lei a respeito de um estabelecimento de religião, ou proibir o seu livre exercício; ou restringindo a liberdade de expressão, ou da imprensa; ou o direito das pessoas de se reunirem pacificamente, e de fazerem pedidos ao governo para que sejam feitas reparações de queixas”.