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Artigo do Jornal: Jornal Maio 2017

Sobre o autor

Leonardo Vizeu

Leonardo Vizeu

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O valor probatório dos textos mediúnicos, bem como sua real autoria, é uma polêmica muito antiga no meio jurídico brasileiro e mundial. Talvez o caso mais notório seja o de Humberto de Campos. A partir de 1937, três anos após sua morte, várias crônicas e romances foram atribuídos ao escritor, por intermédio da psicografia do médium brasileiro Francisco Cândido Xavier, o Chico Xavier.

Entre as obras, todas editadas pela Federação Espírita Brasileira, a de maior sucesso entre os espíritas foi Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho. No ano de 1944, a viúva de Humberto de Campos ingressou em juízo, movendo um processo contra a Federação Espírita Brasileira e o médium, no sentido de obter uma declaração, por sentença, de que essa obra mediúnica era ou não do Espírito de Humberto de Campos, e que em caso afirmativo, que ela obtivesse os direitos autorais da obra.

O processo causou muita controvérsia e, durante um bom tempo, ocupou espaço nos principais meios de imprensa do País. A autora foi julgada carecedora da ação proposta, por sentença datada de 23 de agosto de 1944, da lavra do juiz de Direito em exercício na 8ª Vara Cível do antigo Distrito Federal. Tendo ela recorrido dessa sentença, o antigo Tribunal de Apelação manteve-a por seus fundamentos. Sendo o Estado brasileiro laico, suas instituições públicas não podem manifestar-se sobre preceitos ou dogmas religiosos. Quanto à afirmação de que haveria plágio nos textos psicografados em relação aos escritos em vida, insta salientar o que se segue. No caso, interpretou-se que a expressão “pelo espírito de” deveria ser entendida como: inspirado na obra de. Aliás, as psicografias de Chico Xavier atribuídas a Humberto de Campos já foram objeto de diversos estudos e pesquisas.

Em uma notória tese de Doutorado em Teoria e História Literária pela Unicamp1, concluiu-se, apenas, que o autor dos livros mediúnicos possuía um amplo conhecimento das obras de Campos e foi capaz de reproduzir o estilo e o caráter deste. Um outro aspecto interessante da pesquisa é a demonstração de que algumas das informações psicografadas, à época, faziam referências a escritos de Campos que não eram de domínio público quando os textos mediúnicos foram produzidos. Como por exemplo, o Diário Secreto do falecido, que foi mantido inacessível em um cofre da Academia Brasileira de Letras, até 1954, vinte anos após a morte do escritor.

O Estado brasileiro, desde sua entrada na tradição republicana, adota o modelo laico. Assim, não pode subvencionar nem embaraçar qualquer tipo de culto ou credo, garantindo a todos liberdade de escolha de sua fé, bem como o direito a não ter religião nenhuma. Por sua vez, em 1979, uma carta psicografada por Chico Xavier foi aceita como prova da inocência do acusado José Divino Nunes, sendo este absolvido por júri popular, decisão mantida pelo Tribunal de Goiás, uma vez que sua autoria, por exame datiloscópico, foi atribuída à vítima Maurício Henriques. É cada vez mais comum, no exterior, o uso dos chamados parapsicólogos forenses, também conhecidos como investigadores psíquicos. São médiuns que trabalham em conjunto com a polícia na investigação de crimes de difícil solução, que esbarram na inexistência de testemunhas, escassez de provas ou, excesso de suspeitos.

O papel desses médiuns consiste basicamente em captar sensações sobre o que aconteceu nos locais dos crimes e passar as informações para que os detetives tomem as devidas providências administrativas, incluindo a detenção de suspeitos para interrogatório. É o que chamamos de psicometria. Nosso direito não reconhece, oficialmente, a utilização de médiuns em processos judiciais como elemento probatório.

Um dos mais notórios médiuns forenses é o publicitário uruguaio Marcelo Acquistapace. No ano de 1991, um menino de 5 anos que morava na cidade de Salinas, a 40 quilômetros da capital uruguaia, Montevidéu, havia desaparecido, e as autoridades estavam sem pistas. Sofrendo pressão da opinião pública e de familiares do garoto, resolveram recorrer ao médium, que conseguiu descrever os últimos passos da criança após tocar em objetos do garoto e, dias depois, viu a imagem de tanques de água ao lado de uma lagoa. Foi esse o destino do garoto de Salinas. Seu corpo foi encontrado enterrado de cabeça para baixo na beira da lagoa que o paranormal descreveu. Assim, mais uma vez, a mediunidade colocou-se a serviço da lei dos homens e da lei de Deus.


1 Rocha, Alexandre Caroli. O caso Humberto de Campos: autoria literária e mediunidade / Alexandre Caroli Rocha. -- Campinas, SP : [s.n.], 2008. Orientador: Haquira Osakabe. Co-orientadora: Maria Betânia Amoroso. Tese (doutorado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Estudos da Linguagem.

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