
Umas das mais polêmicas questões que se enfrenta na academia jurídica são os limites de disposição que o Estado e o próprio indivíduo têm sobre a vida. Diversas discussões perpassam sobre essa temática, tais como aborto e eutanásia, muitas, das quais, estão longe de ser consenso na sociedade atual.
A partir desta coluna, analisaremos, à luz do direito e da Doutrina Espírita, os diversos cenários em que o direito à vida é questionado. Inicialmente, faremos uma abordagem geral sobre a matéria.
O direito à vida é constitucionalmente consagrado em caráter fundamental, nos termos do art. 5º, caput, da Carta Magna de 1988. Esteve presente em todas as experiências constitucionais brasileiras e é uma constante em praticamente todas as modernas Constituições no mundo atual.
Agora, quais são os contornos da proteção à vida conferida pelo direito? Tal indagação ainda é objeto de debate e polêmica. As respostas não são uníssonas e, não raro, soam paradoxais. Diversos estudos e artigos científicos são publicados, dando grande contribuição dialética ao debate, mas distante de encerrá-lo.
Em uma obra de grande destaque no meio acadêmico, Domínio da Vida, o jurisfilósofo estadunidense Ronald Dworkin (1931 – 2013) aborda, sob aspectos racionais, pragmáticos e com uma visão extremamente laica, o início, o fim e as formas de interrupção da vida. Afastando a vida do sagrado, Dworkin refuta a visão religiosa sobre o debate, sem, contudo, assumir que a nega. Assim, distanciando-se dos valores religiosos, concentra toda sua argumentação em uma linha de debate materialista e, por mais contraditório que possa parecer, moralista. “Um Compromisso absoluto com a santidade da vida domina também nossas preocupações com o outro extremo da vida: é o sustentáculo de nossas preocupações e perplexidades diante da eutanásia. (...) Os que desejam uma morte prematura e serena para si mesmo ou para seus parentes não estão rejeitando a santidade da vida; ao contrário, acreditam que uma morte mais rápida demonstra mais respeito com a vida do que uma morte protelada” (DWORKIN, Ronald).
Domínio da Vida: aborto, eutanásia e outras liberdades individuais. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 341). O escritor espanhol Ramon Sampedro (1943 - 1998), tetraplégico aos 25 anos, requereu o direito ao suicídio assistido, perante a justiça espanhola. Argumentava que pelo fato de depender do auxílio de outras pessoas, sua existência violava o princípio da existência digna. Em um julgamento cercado de calorosos debates, com argumentos éticos, morais, religiosos, filosóficos e científicos, a Corte de Constitucionalidade espanhola, analisando seu Recurso de Amparo, concluiu que a função do direito, como sistema de garantias de liberdades individuais, é proteger a vida, não a morte.
Um dos argumentos mais fortes, talvez seja o principal usado na defesa do direito à disposição da própria vida, é que o sofrimento viola a dignidade da pessoa humana. Ficam as seguintes indagações: obrigar uma pessoa a se manter viva diante de uma situação de dor seria forçá-la a ter que passar por uma situação de indignidade? Abreviar sua vida, de forma externa e por meios não naturais, seria um ato de misericórdia?
Com todo o respeito aos defensores desse pensamento, pedimos licença para discordar, tanto quanto jurista, bem como quanto espírita. Quanto jurista, sabemos que o papel do direito é garantir o pleno exercício da proteção à vida. Em que pese o suicídio não se configurar como crime, uma vez que o sujeito não pode ser autor e réu na mesma relação jurídica, o auxílio, a instigação e a indução ao suicídio constitui crime perante o Estado, nos termos do art. 122 do Código Penal.
Se o indivíduo não pode prestar assistência a quem queira dispor da própria vida, o Poder Público, salvo melhor juízo, não pode institucionalizar essa prática. Sob a ótica da filosofia espírita, aprendemos que a encarnação é uma dádiva divina; que a existência carnal nada mais é do que uma mera etapa em nossa jornada evolutiva, que nos guiará ao rumo inexorável da felicidade; que os sofrimentos fazem parte de um plano maior para nossa redenção, que perpassam as etapas de arrependimento, conscientização e expiação.
Assim, conhecedores da realidade espiritual que somos, sabemos que não existe sofrimento inútil e que não há indignidade na dor, mas sim redenção. Pela lei universal de ação e reação, todos os atos pelos quais manifestamos nossa vontade, nossa liberdade de escolha, tem uma consequência inexorável. Em alguma etapa de nossa jornada evolutiva seremos chamados a responsabilidade para colhermos os frutos de nossas escolhas. A redenção, não raro, se opera em outra existência material. Encarnação esta que, muitas vezes, será de provações, dores e sofrimentos materiais, não para nossa queda, mas para nossa felicidade.