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Artigo do Jornal: Jornal Dezembro 2015

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Leonardo Vizeu

Leonardo Vizeu

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            O Estado brasileiro passa por uma forte crise de valores morais. Cada vez mais, o papel dos diversos segmentos religiosos na sociedade é questionado, não raro, em fortes tons de críticas negativas. Para tanto, afirma-se, levianamente, que o Estado é laico, provocando confusão na cabeça dos cidadãos a respeito do tema. Atacam-se os princípios sacros, buscando afasta-los do campo de debate político. Inicialmente, há que se ter em mente que o mosaico de laicidade estatal é inerente ao modelo de Estado Democrático de Direito.

            É corolário do direito individual de liberdade, em sua vertente ideológica, na qual o Poder Público faculta a todo cidadão o direito de adotar a crença e o credo que melhor lhe aprouver, garantindo, ainda, a possibilidade de culto externo.

            Assim, o Estado Laico não adota nenhuma vertente religiosa oficial, mas cria um ambiente de convivência harmoniosa entre todos os segmentos religiosos, sem privilegiar um em detrimento dos demais. Por didático, faz-se necessário uma breve explicação sobre os demais modelos de posicionamento estatal em face da religião. Nos modelos de Estado confessional, adota-se uma religião como a oficial, outorgando-lhe a faculdade de arrecadação pública para si de todo e qualquer cidadão, seja fiel ou não, em que pese possibilitar a liberdade de credo.

            Os Estados teocráticos são aqueles em que a religião oficial conduz e é determinante no debate político. Por fim, o modelo de Estado ateu proíbe qualquer forma de credo e prática de culto religioso. O Brasil, logo após sua independência, constitui-se sob a forma de monarquia católica constitucional, adotando um modelo de Estado confessional, a teor do art. 5º da Constituição de 1824 (Art. 5. A Religião Catholica Apostolica Romana continuará a ser a Religião do Imperio. Todas as outras Religiões serão permitidas com seu culto domestico, ou particular em casas para isso destinadas, sem fórma alguma exterior do Templo.).

             A partir do período republicano, inaugurado em 1889 e constituído em 1891, adotamos o modelo de Estado Laico, que persiste até a atualidade, a teor das disposições do art. 5º, VI, VII e VIII, bem como do art. 19, I, todos da Constituição de 1988. Nessa linha, a proteção à liberdade de convicção filosófica é tratada em pé de igualdade com a proteção à consciência religiosa (Art. 5º. VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;).

             Há que se ressaltar que o movimento espírita, por intermédio do político e médico Adolpho Bezerra de Menezes, foi determinante na consolidação do Estado Laico, conforme Ramiro Gama narra na obra Lindos Casos de Bezerra de Menezes.

            No censo realizado em 2010, constatou-se que 92% da população brasileira declara ter religião, sendo que somos uma população de 64,6% de católicos, 22,2% de protestantes, 2% de espíritas, 3,2% de outras religiões e apenas 8% se declaram sem vínculo institucional a um segmento religioso.

            Por óbvio, sendo um País eminentemente cristão, com uma população que em sua maioria se declara com vínculo religioso institucionalizado, não há como tal fato não ter reflexo nas urnas e nas eleições.

            Assim, a escolha de nossas opções políticas será inexoravelmente influenciada pelos valores religiosos que possuímos. Outrossim, não há como negar a influência da religião em nosso processo de formação histórico-política. Basta lembrar que os direitos humanos são fruto do processo dogmático do direito canônico, sendo cunhado por Francisco Suarez na obra De Legibus, de 1612.

            O processo de colonização católico foi baseado no conceito canônico de direitos humanos, permitindo que a Companhia dos Homens de Jesus, ou os Jesuítas, catequizassem as populações nativas, por meio da educação e da música, evitando que fossem escravizadas e mortas pelos conquistadores europeus. À igreja coube e cabe, ainda, um papel fundamental em nosso processo educacional.

            Atualmente, vozes se levantam, em tom colérico e odioso, afirmando que, pelo Estado ser laico, os valores religiosos têm que ser afastados do debate político. Ora, como vimos acima o Estado é laico, não ateu, tampouco antiteísta. Ter religião não nos alija de nossos direitos políticos. Querer afastar os religiosos do debate político é alijar 92% dos brasileiros da condução da vida coletiva da Nação. Se democracia, nas palavras de Ronald Dworkim, não é a ditadura da maioria, também não pode ser traduzida na ditadura da minoria.

             Assim, os diversos segmentos religiosos devem ter sua voz garantida no Congresso Nacional. Ter religião não é motivo de vergonha. Ter religião não é ruim. Ruim é não ter religião nenhuma em períodos de escassez de fé e esperança.

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