
Recentemente, a sociedade brasileira foi surpreendida por uma decisão do Supremo Tribunal Federal, da lavra do Ministro Luis Roberto Barroso, que determinou critérios objetivos para a abertura gradual da liberalização do uso da Cannabis sativa, vulgarmente chamada de maconha. Por ocasião do julgamento, com repercussão geral reconhecida pela Corte Suprema, do Recurso Extraordinário (RE) nº 635659, o ministro se manifestou exclusivamente sobre o uso de maconha, não fazendo juízo de valor sobre outras drogas. Propôs, em seu voto, que o porte de 25 gramas de maconha ou a plantação de até seis plantas fêmeas da espécie sejam o parâmetro para diferenciar o consumo do tráfico de maconha. Outrossim, manifestou-se expressamente no sentido de que o uso da maconha deve ser descriminalizado. Com todo o respeito ao ministro, professor e jurista, um dos mais renomados constitucionalistas atuantes no Brasil, pedimos vênia para discordar, com veemência, de suas considerações e de seu posicionamento.
Inicialmente, temos que ter em mente que o tráfico de drogas não é ilícito contra o patrimônio, mas crime contra a saúde pública. Logo, não atenta contra bens privados e disponíveis da pessoa, mas contra uma política sanitária de Estado. Independe, portanto, de quantidade ou manifestação de vontade. Basta que se faça uso ou porte uma substância que o Poder Público considera perniciosa para seu cidadão. Os efeitos prejudiciais à coletividade são vistos cotidianamente no Brasil e no mundo.
A literatura e o cinema são ricos em narrar diversas experiências de pessoas que perderam suas vidas em virtude do uso de substâncias ilícitas. Por sua vez, a medicina é pródiga em afirmar e provar cientificamente os malefícios que a dependência química causa. Somente por essas premissas, que não temos espaço para exemplificar nesta coluna, caem por terra, salvo melhor juízo, diversos argumentos pró-drogas.
Sob aspectos eminentemente jurídicos, a República Federativa do Brasil repudia, veementemente, o tráfico de drogas. A Constituição estabelece que “a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia (...) o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins” (Art. 5º, XLIII); nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins (Art. 5º, LI); “As propriedades rurais e urbanas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas (...) serão expropriadas e destinadas à reforma agrária e a programas de habitação popular, sem qualquer indenização ao proprietário (...) Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins (...) será confiscado” (Art. 243, p. único).
Assim, não há como se reconhecer a juridicidade da campanha de liberalização das drogas, face ao texto constitucional. Talvez o ponto mais forte e gritante, que não dá margem à opção do constituinte pelo combate as drogas seja a determinação de que a proteção especial a crianças e adolescentes abranja “programas de prevenção e atendimento especializado à criança, ao adolescente e ao jovem dependente de entorpecentes e drogas afins” (Art. 227, §3º, VII).
Ora, se a Constituição considera que o tráfico de drogas é crime inafiançável, insuscetível da concessão de graça ou anistia, eventual lei que promova a liberalização de drogas é de constitucionalidade duvidosa. Outrossim, norma penal em branco, que descriminalize o uso de eventual substância ilícita, reduzindo o campo de aplicabilidade da lei de entorpecentes, será, igualmente, de juridicidade extremamente duvidosa, não resistindo a um simples confronto com a Carta da República. Se a lei não pode anistiar e o executivo não pode conceder graça ao crime de tráfico de drogas e substâncias afins, a decisão judicial que, na hierárquica pirâmide de Kelsen, lhe é inferior, muito menos pode, salvo melhor juízo e maior engano, descriminalizar.
Por fim, encerramos essa coluna lembrando os ensinamentos do apóstolo dos gentios, Paulo de Tarso: “Todas as coisas me são lícitas, mas nem todas as coisas convêm. Todas as coisas me são lícitas; mas eu não me deixarei dominar por nenhuma delas” (Coríntios I; 12-13), combinando-os com as palavras de Emmanuel, pela psicografia de Francisco Cândido Xavier: “O homem nasceu para ser senhor do seu destino, não escravo das suas paixões”. Que a paz do Cristo esteja conosco hoje, agora e sempre.