Maria Júlia está ensaiando os primeiros passos. Escorando aqui e ali, tenta, consegue ficar em pé, dá dois passinhos encostada em uma poltrona... e cai. Chora e a avó vem correndo em sua direção. Imediatamente a levanta, põe no colo e a cobre de carinho. Passado um minuto, a criança se agita. Quer ir para o chão novamente. Ensaia, então, mais uma tentativa que termina da mesma forma: caída e chorando. Desta vez, olha imediatamente para a avó como a pedir que a console.
A cena se passa sob a vista atenta do jovem pai, que, apesar dos seus 23 anos, age com muito bom senso. Impedindo a avó de socorrê-la, diz para a filhinha se levantar. Ela reluta um pouco, mas o desejo de experimentar outra vez aquela nova sensação fala mais alto. E por diversas vezes tenta, avança mais um tanto, se desequilibra e torna a cair. As palavras de incentivo do pai, porém, a fazem continuar até conseguir dar os primeiros passos apoiada.
Na conversa entre a avó e o pai (na verdade mãe e filho), ele a faz entender que tentativas e fracassos fazem parte do aprendizado humano; que mais importante do que a menina aprender a andar, seria compreender que só continuando a se arriscar, a se esforçar por se levantar e prosseguir tentando, é que ela conquistaria a meta desejada. Na sua argumentação, deixa claro que entende o carinho da avó com aquela única neta, mas reafirma sua convicção de que, na vida, cada qual há que se esforçar para vencer os obstáculos que se interpõem à própria caminhada.
E o bonito dessa história é saber que aquele jovem pensa e age dessa forma por amor à filha. Ele já percebeu que é papel dos pais encontrar o equilíbrio entre amar os filhos e discipliná-los. Sabe que algumas vezes terão que deixá-los vivenciar experiências frustrantes, mas necessárias para a sua autodescoberta.
Todas as crianças têm algumas necessidades muito básicas, que, quando dadas no equilíbrio correto, as ajudam a desenvolver a resiliência indispensável para se autoperceber como um ser capaz. A tendência tão em voga de superprotegê-las pode ter consequências funestas, como o surgimento da insegurança e a manutenção da ideia de que haverá sempre um adulto por perto para “tirá-las do chão” em cada tropeço, impedindo-as de viver situações dolorosas.
Mas sabemos que a vida não é assim. Não temos o direito de tirar da criança a oportunidade de crescer, de se tornar forte, independente. Muitas conquistas sobre si mesma a esperam, no decorrer da vida, pois para isso ela renasceu.
Há, na literatura espírita, um caso exemplar de um espírito prestes a reencarnar que se reúne, no Plano Espiritual, com aquela que seria a sua mãe durante um desdobramento. O recado que ela lhe transmite não poderia ser mais claro. Estamos falando de Matilde, uma benfeitora amada e respeitada na colônia onde reside pelos valores morais e espirituais que possui. O caso em questão encontra-se na obra Libertação, de André Luiz (p. 167-168).
Nas suas recomendações, ela chama a atenção para a “santidade” do papel da mãe na orientação dos espíritos renascentes, uma vez que, por falta de “braços decididos e conscientes” a guiá-los nos labirintos do mundo, as melhores possibilidades se perdem no começo da vida. Aponta a importância do carinho, ressalvando, no entanto, que o excesso de ternura é tão nocivo quanto a total aspereza no trato com a criança. E prossegue abordando as agruras normais da vida.
Há, na continuidade da sua fala, um ponto que corrobora a questão de se permitir que a criança se fortaleça nas dificuldades:
“Não me recebas, nos braços, por boneca mimosa e impassível. [...] A estufa pode alimentar as flores mais lindas da Terra, mas não produz os melhores frutos. A árvore benfeitora não prescindirá do carinho e da assistência constante do pomicultor. É imperioso reconhecer, porém, que somente se fortalecerá sob a temperatura atormentadora da canícula, debaixo de aguaceiros salutares ou aos golpes da ventania forte.”
Nesta comparação fica evidente o papel das dificuldades no fortalecimento do ser. E avança afirmando que a “luta e o atrito são bênçãos sublimes, através das quais realizamos a superação de nossos velhos obstáculos. É necessário não menosprezá-los, identificando neles o ensejo bendito de elevação”.
Como são oportunas, atualmente, essas recomendações! Quantos pais acertariam mais na educação dos espíritos que reencarnaram sob a sua responsabilidade, se as colocassem em prática, como faz o pai da pequena Maria Júlia.
Bibliografia:
Libertação, André Luiz – Espírito (p. 167-168), psicografia Francisco C. Xavier