Não faz muito tempo, disputar quem ficaria com o caderno de receitas da avó era comum entre as moças da família. Quando se tratava de várias netas, as que não conseguiam o privilégio de herdar o caderno, procuravam anotar as receitas que, perpassando gerações, traziam o traço da identidade culinária da família.
Não foi pois, sem razão que, outro dia, uma amiga foi surpreendida com a atitude inesperada de uma de suas netas, uma jovenzinha de 14 anos. Há três meses passara a viver na casa da avó e, sempre envolta com as tarefas escolares online, pouco conversavam. Uma tarde de domingo, sugere, pela primeira vez: “Vó, vamos fazer um bolo de chocolate?” A resposta veio com um largo sorriso de aprovação e alegria. Lembrando-se de que no seu precioso caderno de receitas, recebido da sua própria mãe, havia a do bolo de chocolate que durante décadas era apreciado por toda a família, correu para buscá-lo. Estava, ainda, procurando a receita quando ouviu a neta dizer que não precisava. Com o celular na mão, já se dera por satisfeita com a que a internet lhe mostrara. Decidida, não se deu, sequer, ao trabalho de olhar para o caderno que a avó trazia nas mãos. Tristeza. Decepção. Ainda assim, a senhora soube ser grata a Deus por ter a companhia da jovem e por vê-la, pela primeira vez, interessada em culinária. Enquanto preparavam o bolo, meditava sobre as profundas mudanças geracionais que estão ocorrendo.