Em meados do século passado, praticamente não se falava de autismo nos cursos de pedagogia. Quando isso ocorria, era no contexto da chamada educação especial. Os professores abordavam a questão dizendo haver raros registros de crianças que tinham um comportamento estranho, que mesmo sem apresentarem retardo mental, viviam isoladas das demais, fechadas em seu próprio mundo.
Hoje, o número delas cresce de forma vertiginosa, levando a Organização Mundial de Saúde, em 2018, a confirmar que uma em cada 160 crianças apresenta essa condição em algum grau. Atualmente ela se enquadra no chamado Transtorno do Espectro Autista (TEA).
As dificuldades se caracterizam por um transtorno do neurodesenvolvimento, com alterações em dois domínios principais: o da comunicação e interação social e, também pela de padrões restritos e repetitivos de comportamento, as chamadas estereotipias.
Esses problemas podem se manifestar desde os primeiros dias de vida, embora haja inúmeros registros de pais relatando que a criança se desenvolvia normalmente antes do aparecimento dos sintomas, que somente foram percebidos entre os 12 e 18 meses de vida. Essa condição tende a se manter na adolescência e idade adulta. Ainda que muitos autistas possam ter uma vida independente, há outros com incapacidades graves que necessitam de atenção constante e apoio durante toda a sua existência.
Há diversas hipóteses sobre o que causaria o TEA, mas até o momento a ciência ainda não chegou a respostas conclusivas.
É incalculável o sofrimento que, de modo geral, uma criança com autismo causa à família. Com raras exceções, é a figura materna quem se encarrega de todos os cuidados que ela requer.
Diante de um quadro tão doloroso é natural que se pergunte: por que Deus permite que isso aconteça?
Na Revista Espírita de outubro de 1865, em um artigo intitulado “Dois irmãos idiotas”, Allan Kardec apresenta um caso interessante que nos ajuda a esclarecer a questão do autismo do ponto de vista espiritual. Vale lembrar que a palavra idiota, na psiquiatria, fazia parte de uma antiga classificação dos diferentes tipos de retardo mental e não tinha a conotação depreciativa que agora tem.
No artigo em pauta, o Codificador relata o caso de dois irmãos, filhos de operários franceses, severamente afetados em seu desenvolvimento mental. Ambos haviam nascido perfeitos e já dominavam a linguagem, quando, por volta dos três anos de idade, surgiu o transtorno em função de uma breve doença. Daí para diante, mesmo demonstrando que nutriam sentimentos e afetos por determinadas pessoas, não conseguiam se comunicar pela fala. Suas expressões faciais denotavam ser pessoas com um retardo mental sério.
Kardec reconhece que em ambos os irmãos, esse grave comprometimento das funções mentais foi causado pela doença, mas chama a atenção para algo mais: explica que encerrados naqueles corpos estão dois espíritos adiantados, mas que depois da desencarnação eles irão recuperar o livre uso de suas faculdades.
Continuando sua análise, o Codificador admite que eles devem estar resgatando dívidas de vidas passadas, uma vez que na presente eles nada teriam feito que merecesse viver em tal situação. E conclui enfatizando que Deus, fonte de toda justiça, permite que assim seja.
Chama a nossa atenção o paralelo que esses dois casos guardam com o autismo, no que diz respeito ao tempo em que surgiram, e ao fato de haver, no início da vida, a manifestação da inteligência. Muitos pais se perguntam por que a criança regrediu. E é ainda Kardec quem explica tratar-se das “mil nuanças da expiação, que tem sua razão de ser para o indivíduo, mas cujo motivo muitas vezes seria difícil sondar, pelo simples fato que ele é individual.” Ou seja, cada situação é única. E é exatamente o que os atuais estudos sobre o TEA confirmam: não há dois casos idênticos de autismo.
Ele termina o artigo nos alertando que os pais que recebem filhos nessas condições têm, de alguma forma, uma dívida ou compromisso de amor com aqueles espíritos. Trata-se, assim, de uma provação reparadora. Se eles conseguirem ser bem-sucedidos, encontrarão a recompensa no Plano Espiritual.
O Criador oferece àquele que errou uma oportunidade para refazer os seus passos, em nova vida, e assim continuar a sua trajetória rumo aos Planos Superiores. Nessa tarefa ele confia na colaboração dos pais.
A questão espiritual do autismo, contudo, é por demais complexa, para nos limitarmos a vê-lo apenas como uma aplicação da Lei de Causa e Efeito. Novas interpretações que estão surgindo. O tempo tratará de comprová-las, ou não.