Quando findar o ano, estaremos completando mais uma década em nosso calendário. Período marcado por profundas mudanças nas mais diferentes áreas do conhecimento, da economia, da política e das relações sociais, cujos impactos vêm afetando o nosso modo de ver o mundo e de nos comportar diante das pessoas e dos acontecimentos.
No Brasil, em particular, esses efeitos vêm se manifestando, de forma expressiva, no campo jurídico, com medidas que buscam pôr fim à ideia de que os chamados “crimes de colarinho branco” não são passiveis de punição. As denúncias e consequentes prisões de um elevado número de figuras públicas de alto escalão são, provavelmente, a face mais visível dessa transformação, que tem seu âmbito de prevalência no campo político.
E, em meio ao noticiário que nos chega pelas mais diversas mídias, nossas emoções e sentimentos vão sendo colocados à prova. A toda hora, nosso desejo de nos tornar pessoas mais comprometidas com o Evangelho de Jesus é confrontado com situações que suscitam ódio e desprezo por aqueles homens públicos apanhados em falta. Sem nos dar conta, comungamos os mesmos pensamentos e julgamentos negativos dos nossos pares, diante de irmãos nossos que fraquejaram no exercício do poder. De forma irrefletida, aplaudimos a cena, mil vezes reprisada, do infortunado que, traindo a confiança nele depositada pelo voto popular, é levado algemado para o cárcere.
A maioria de nós, entretanto, guarda um firme propósito de evoluir espiritualmente. Conhecemos o mandamento que nos conclama a amar o nosso próximo como a nós mesmos. Igualmente, o que nos ensina a fazer ao outro tudo quanto gostaríamos que fosse feito conosco; sabemos de cor os preceitos que nos dizem para não julgar e nem condenar ninguém, para que não sejamos julgados ou condenados. Mesmo assim, resvalamos em julgamentos, comentários depreciativos e, por vezes, até mesmo em desejos de vingança, incompatíveis com o que aprendemos nas lições do Evangelho.
A literatura espírita é pródiga em exemplos que nos fazem refletir sobre essa temática. Focalizamos, para a nossa ponderação, um breve conto trazido pelo espírito Meimei, no livro Deus Aguarda, intitulado “Deus é Amor”. A cena se passa no mundo espiritual, quando um jovem desencarnado é levado a julgamento por ter matado a própria mãe, a fim de furtar-lhe as joias. O mentor que o acompanha tem dificuldades em proceder aos encaminhamentos exigidos pelo caso, pois numerosos espíritos, que também foram vítimas de seus malfeitos, lançavam impropérios, aos gritos, condenando-o.
Quando ia buscar auxílio junto a benfeitores de esferas mais elevadas, viu adentrar no salão uma mulher de aspecto muito simples, mas que trazia um halo luminoso ao seu redor. Vinha em socorro daquele infortunado. Em sua fala. ela revela quanto amor, alegrias, sonhos e esperanças aquele jovem havia proporcionado a certa mulher. O mentor contra-argumenta, informando que, mesmo assim, ele teria de passar por uma prova difícil, retornando à Terra em corpo disforme. E as palavras daquele espírito nobre, que ecoaram no recinto, repercutem, ainda, na nossa mente, como uma lição para os dias atuais. “Compreendo que a justiça deve exercer-se em auxílio de todos nós”, diz ela, acrescentando que, apesar de tudo, tal mulher o auxiliará e o acompanhará, seja onde for. Antes que os acusadores que a ouviam se dessem conta do que se passava, erguendo a cabeça, proclamou que a mulher a quem se referia era a própria mãe assassinada pelo réu.
Há, nessa lição, dois aspectos a merecerem nossa atenção: a vítima, usando do amor e da compaixão, absolve seu algoz e promete ajudá-lo incondicionalmente. No entanto, não se esquece de registrar que a justiça deve ser exercida, apesar de tudo.
Se, em um exercício de reflexão, pensarmos no que devem ter sido nossas vidas pregressas, considerando o estado de barbárie pelo qual passou a humanidade em tempos recuados, e no tanto de chances que a providência divina nos ofereceu para podermos hoje comungar os ideais cristãos, só nos cabe dizer que a justiça seja feita em relação a todos os acusados, alvos de processos criminais, guardando-nos, porém, de qualquer outro sentimento que não seja o da compaixão. Todos nós, em maior ou menor grau, trazemos conosco cargas de tribulações, erros a corrigir e provas a enfrentar, carecendo da compreensão alheia e, principalmente, da misericórdia de Deus.
Lembremo-nos, sobretudo, de que as crianças e jovens que agora nos observam e nos copiam serão os adultos que amanhã repetirão nossos atos. Que possamos ser bons modelos, exemplificando o entendimento e a compaixão para com todos aqueles que, equivocados, caem nas armadilhas da ambição, comprometendo-se ante a justiça dos homens e de Deus.