O inverno ensaiava sua despedida. O sol tímido que lançara seus raios por entre as nuvens, no dia que amanhecia, se transformara, nos ofertando um belo domingo de céu azul e ar fresco. Irresistível não dar uma caminhada no calçadão da praia e assistir ao desfile que se apresentava aos nossos olhos. Atletas em passadas vigorosas tentando se desviar dos que iam mais lentos, alguns até mesmo em cadeiras de rodas; pessoas tentando controlar seus cães que insistiam em interagir com seus pares; casais de namorados e crianças com seus pais enchiam de cores e sons a orla marítima.
Em meio a esse movimento, avistamos alguém que nos fez abrir um sorriso, em um misto de surpresa e alegria: nosso médico particular, empurrando em um carrinho a sua filhinha de pouco mais de um ano, enquanto a outra, de cinco anos, rodopiava ao seu redor, sob o olhar atento da babá. Mas o grupo ainda não estava completo. Eles ali estavam aguardando a avó que acabava de chegar. E o que vimos nos deu a certeza de que estávamos diante de um quadro um tanto raro: uma família unida, estreitando laços de fraternidade. Três gerações a trocar carinhos e afetos. Aquele jovem, que durante toda a semana, tal como seu próprio pai, se dedicava ao exercício da medicina, naquela hora estava cumprindo a tarefa da paternidade com evidente alegria.
E foi com uma pontinha de orgulho que o ouvimos afirmar que o bebê que viera completar a família era um menino.
Conhecendo a vida desse médico, sua dedicação aos pacientes, sua atuação como docente na faculdade de medicina, seus constantes e demorados deslocamentos diários e, sobretudo, suas longas jornadas de trabalho, julgamos que seria absolutamente natural que dedicasse o domingo para o seu merecido repouso. Mas, consciente do seu papel de pai, sobretudo em um momento em que a esposa se encontra cuidando de um filhinho recém-nascido, renuncia ao descanso e oferece às suas meninas e à sua mãe aquilo que ele tem de melhor: seu amor e sua companhia.
Gestos assim nos fazem pensar na importância de atitudes desse porte, tão relevantes nos dois extremos da vida. Filhos pequenos precisam se sentir amados e seguros para se desenvolverem emocionalmente sadios. E idosos merecem ser afetivamente incluídos para se sentirem vivos e presentes.
O momento atual, no entanto, com seus fortes apelos a atividades que nos afastam daqueles aos quais deveríamos dar mais atenção, vai nos tornando pessoas cada vez mais egoístas, menos generosas e mais insensíveis.
Os espaços de convivência familiar, dentro e fora do lar, vão se escasseando. É como se estivéssemos perdendo o controle da nossa própria vida, deixando de lado compromissos para os quais deveríamos estar mais atentos.
Por melhores que sejam os funcionários domésticos ou das creches, nada substitui o papel que as figuras materna e paterna exercem na formação dos filhos.
São muitas as facetas do desenvolvimento infantil, a começar pelo aspecto emocional, básico e de importância fundamental no ajustamento futuro. A essa vem se somar o físico, o cognitivo, o social e aquela que fará toda a diferença na posição ética dos filhos no futuro: a moral.
Pais são exemplos. Suas ações ou omissões, seu caráter e suas atitudes vão plasmando, dia após dia, a personalidade dos seus filhos. Se hoje vivemos uma crise de valores que nos choca, muitas vezes, pelo contraste entre o elevado nível de escolaridade e o baixíssimo nível moral de um grande número de pessoas, se ansiamos por mudanças, comecemos por analisar nossos próprios comportamentos e façamos tudo que está ao nosso alcance para ajudar a formar gerações mais moralizadas.
“A educação bem compreendida é a chave para o progresso moral”, diz-nos Allan Kardec. E acrescenta que essa educação precisa se voltar, sobretudo, para a formação do caráter. Estejamos, pois, atentos para o fato de que esta, que começa no berço, pode se dar das mais variadas formas, até mesmo quando se sai para passear com os filhos numa bela manhã de domingo.