Vem da rua o som dos violinos que invade nosso apartamento. Jovens músicos se reúnem numa esquina movimentada do meu bairro para tocar um repertório que vai dos clássicos da música popular aos eruditos: Luís Gonzaga e Tom Jobim ao lado de Bach e Mozart. São os rapazes e moças da ONG criada por Márcio Selles, professor da Universidade Federal Fluminense que, há mais de duas décadas, incentivado por sua mãe – evangelizadora espírita – começou a lançar as bases da Orquestra de Cordas da Grota. Hoje o projeto atravessou fronteiras e se expande em número de jovens envolvidos, na descoberta de talentos e nas ações sociais empreendidas.
Ouvir alguns de seus participantes tocar me refrigera a alma, trazendo encanto para as minhas tardes. Aqueles sons me chegam como gotas de luz e nessa hora me sinto embalada em vibrações de paz e de doce harmonia.
Diante do clima de pessimismo que tem marcado nossos dias, é sempre bom lembrar de que temos mais razões para agradecer a Deus do que para nos queixar. É praticamente inumerável a relação dos bens que recebemos, a começar pelo dom da vida. Alguns há – como a chance de renascer e ter os pais que aceitaram que viéssemos por seu intermédio – cujo início se deu antes mesmo do nosso nascimento. Basta uma análise cuidadosa para nos darmos conta de todas as dádivas com que o Senhor vem nos presenteando ao longo do tempo, para termos a certeza de que somos abundantemente aquinhoados de bênçãos. Somente a nossa teimosia em nos enovelarmos nas situações negativas é que nos impede de vê-las.
Como não reconhecer as benesses, prodigalizadas pela Natureza, que sustentam nossa vida? Ou o lar que nos abriga onde encontramos os companheiros que nos convidam diariamente a burilar nossas virtudes? Ou, ainda, a possibilidade que tivemos de receber a instrução que nos abriu a mente para o entendimento e facilitou nossa compreensão da Doutrina Espírita? Isso, sem falar na fé que sustenta e orienta nossos passos e o amparo recebido dos Protetores Espirituais. Esses são alguns dos presentes que recebemos diariamente e que, por vezes, nem nos damos conta.
A verdade é que somos fartamente agraciados pelo Pai, razão pela qual grande deve ser a nossa responsabilidade diante da vida.
Numa passagem evangélica registrada por Lucas (12:36-48), o Mestre Amado traz a alegoria de um Senhor que se retirou das suas terras por certo tempo, não avisando quando voltaria. No seu regresso, encontrou o bom servo cumprindo todas as suas obrigações zelosamente. Reconhecendo seu valor, tratou de recompensá-lo, servindo-o. Mas acrescentou: “Feliz o servo a quem o seu senhor encontrar fazendo assim quando voltar. Garanto-lhes que ele o encarregará de todos os seus bens. [...] A quem muito foi dado, muito será exigido; e a quem muito foi confiado, muito mais será pedido”.
Implícito, nessa passagem, está o alerta para o cumprimento dos nossos deveres perante a vida. Significa dizer que colaborar com a elevação do padrão vibratório da Terra é, no mínimo, um dever que compete a cada um de nós. Trabalhar e servir mais, em lugar de criticar ou reclamar tanto e agradecer diariamente as bênçãos que nos são dispensadas são atitudes que devemos cultivar, na medida em que acreditamos estar submetidos às Divinas Leis.
Olhando a nossa volta, vamos descobrir que há muitas pessoas compromissadas com o bem, empenhadas na construção de um mundo melhor e para as quais não há espaço para lamúrias e queixas. Gente como o Márcio Selles e seus jovens artistas, que fazem parte de um empreendimento que nasceu pequeno e que, através de um esforço contínuo e coletivo, se transformou em um projeto premiadíssimo e de reconhecimento internacional: o Espaço Cultural da Grota. Essa ONG que tem como objetivo de contribuir para o desenvolvimento pessoal de quem se encontra em situação de vulnerabilidade, identifica talentos e vocações, desenvolvendo capacidades artísticas e culturais, forjando, enfim, profissionais aptos para ingressarem no mercado de trabalho e exercerem, conscientemente, sua cidadania.
Do ponto de vista espiritual, tenho a certeza de que as densas nuvens que criamos e mantemos com os nossos pensamentos pessimistas são suavizadas sempre que um dos jovens da Grota empunha seu violino e nos brinda com uma bela melodia. A música eleva o padrão vibratório e transmite paz à alma.