Crianças repetem nas brincadeiras aquilo que observam no mundo adulto. Isso é um fato incontestável em todos os tempos. No reino da fantasia, pode-se ser o que se quer: mãe, professora, polícia, motorista de caminhão, jogador de futebol... Brincar é uma forma de ensaiar para a “vida real”. Tanto é verdade que, ao fazer uma bobagem, a criança logo se justifica: “mas eu só estava brincando”.
Lembro-me que, quando pequena, eu e minhas irmãs, ao brincar de casinha, recorríamos invariavelmente à nossa mãe, que nos atendia com os grãos de arroz e de feijão, com os quais preparávamos nossas “comidinhas”. Se o assunto eram as bonecas, dos seus guardados vinham os retalhos de tecido para costurarmos as roupas que as enfeitavam. Com os meninos não era diferente: da sua caixa de costura saíam os botões que iriam completar o jogo de futebol de mesa. O grude caseiro usado para colar o papel de seda nas pipas era feito no fogão da cozinha. E se porventura o brinquedo exigisse algo mais elaborado, como a construção de um carrinho de rolimã, eles sabiam que podiam contar com o auxílio paterno na sua construção.
Havia sempre a presença da mãe ou do pai permeando a brincadeira infantil. Sob seus olhares atentos e cuidadosos, as crianças iam se exercitando para os papéis que assumiriam mais tarde.
Tais lembranças surgiram, de súbito, na minha mente quando em dias recentes, folheando o jornal diário, li, estarrecida, à manchete “Vamos brincar de tráfico?” Tratava-se de uma reportagem sobre cinco meninos entre 10 e 13 anos, que foram encontrados pela polícia numa mata, no Rio de Janeiro, simulando a rotina em uma boca de fumo. De pedaços de madeira e cano, amarrados com fitas crepe e isolante, improvisaram fuzis e pistolas. Tal como nas nossas brincadeiras, foi da cozinha de um deles que proveio o açúcar que, devidamente embalado, virou cocaína. Em meio aos “brinquedos improvisados”, não faltou sequer o dinheiro de mentirinha, e um caderno para anotações da contabilidade do tráfico. Ao serem encontrados pela polícia, imitavam bandidos trocando tiros.
Impossível não se condoer de tais meninos, entendendo que são vítimas de uma sociedade na qual os exemplos da marginalidade falam mais alto do que aqueles pautados na boa formação moral. É evidente que eles convivem diariamente com a realidade que tentam imitar no faz de conta. Não é difícil imaginar que, assim como nós, todas as peças com as quais montaram a brincadeira tenha vindo de suas casas, sob os olhares dos seus familiares. Provavelmente, os que assim procederam viram na brincadeira apenas uma forma de preparação para os papéis que deveriam desempenhar futuramente.
Todos trazemos de vidas passadas erros e equívocos necessitando corrigenda mediante novas e positivas experiências, bem como potencialidades adormecidas que aguardam ações positivas que as façam desabrochar. Mais do que uma simples tarefa, é missão dos pais ajudar os filhos na autossuperação das marcas dolorosas que trouxeram, tanto quanto no desenvolvimento dos seus potenciais. São inúmeros os registros anotados por Allan Kardec nas obras básicas enfatizando tal obrigação.
Para que não houvesse dúvidas a esse respeito, os Benfeitores Espirituais assinalaram, por exemplo, na questão 582, de O Livro dos Espíritos, que a paternidade é uma importante missão dos pais, envolvendo mais reponsabilidade do que se possa imaginar. “Deus colocou os filhos sob a tutela dos pais, a fim de que estes os dirijam pelo caminho do bem, e lhes facilitou a tarefa dando à criança uma organização frágil e delicada, que a torna acessível a todas as impressões”.
Os anos da infância passam céleres, mas é durante esse período que os pais conseguem ajudar os espíritos que renasceram por seu intermédio a crescer em virtudes, a burilar seu caráter e a desenvolver-se moralmente: “Inteirai-vos dos vossos deveres e ponde todo o vosso amor em aproximar de Deus essa alma”. Lembrai-vos de que a cada pai e a cada mãe, perguntará Deus: que fizestes do filho confiado à vossa guarda?” (O Evangelho Segundo o Espiritismo, cap. XIV, mensagem de Santo Agostinho).
Seria bom que, ao contrário do caso aqui narrado, os pais estivessem mais conscientes do importante papel que lhes cabe no aperfeiçoamento moral dos seus filhos, dando-lhes bons exemplos, guiando seus passos, corrigindo suas faltas a fim de que, juntos, avancem na direção do progresso espiritual.