
Fila longa na porta do cinema. Filme muito aguardado, era de se esperar que lotasse rapidamente. A jovem chega em cima da hora. Procura por amigos. Encontrando-os perto da bilheteria, não hesita em se aproximar, entregar-lhes o dinheiro e a carteira de estudante. Pronto! Sua entrada e um bom lugar estavam garantidos. Segue sem notar o olhar de reprovação dos que estavam atrás.
Essa jovem era eu.
A prática corriqueira, a justificativa de que “todo mundo faz” não me deixava ver a falta de ética naquele comportamento. E do ponto de vista moral, a consciência não me acusava de nada. Ao contrário, sentia-me esperta e sortuda.
A lembrança dessa prática aflorou-me à memória quando hoje testemunhamos, em escala nacional, figuras públicas que cometem verdadeiros atentados à ética e à moral, sentindo-se, também, “espertos e sortudos”.
Como educadores – pais, professores, facilitadores espíritas – deveríamos ter a obrigação de trazer para o foco das nossas atenções as questões ético-morais junto à geração mais nova.
Estudiosos do comportamento humano têm apontado o fenômeno da naturalização, isto é, considerar tudo natural, como responsável pela grave crise de valores que marca as sociedades modernas. Princípios que deveriam nortear nosso comportamento estão sendo deixados de lado com justificativas como: “sempre foi assim”, “o que é que tem? Todo mundo faz”...
Comportamentos éticos levam em consideração, em primeiro lugar, o bem coletivo, ainda que às custas dos interesses próprios. Mas em um mundo marcado pelo egoísmo, pelo desejo de se sobrepujar ao outro, de obter ganhos e destaque, a ética tem ficado em segundo plano. E as crianças e jovens, observando tais comportamentos, os julgam naturais.
Justificativas servem apenas para relativizar os princípios que deveriam nortear as ações corretas. Indagado sobre se seria justo pagar os impostos aos dominadores de então, o Mestre Jesus não respondeu “depende”, nem cogitou de relativizar aquilo que aos olhos do povo parecia injusto. Taxativo, respondeu: “Dai a César o que é de César”.
É no dia a dia, no ambiente do lar e nas pequenas coisas que essas questões têm que ser ensinadas. Ser ético é pensar no bem comum. É, por exemplo, optar sempre pelo bem-estar dos membros da família em momentos de decisão, de forma que ninguém se sinta lesado. É partilhar corretamente.
Quem assim age, vai adquirindo, desde cedo, os princípios morais que irão plasmar o seu caráter e que se perpetuarão no ser imortal que é. São princípios que habitarão sua consciência e que servirão de bússola no seu caminhar, orientando seus passos no rumo certo.
A máxima cristã que nos exorta a fazer aos outros o que queremos que façam conosco (Mateus 7:12) nos ensina a fazer o bem, pois ninguém gostaria de receber o mal. Mais do que transmiti-la por meio de palavras, seria bom que a vivenciássemos perante as crianças e jovens, independente de serem nossos filhos ou não. Agir sempre corretamente, seja em que circunstância for, é algo que deveríamos exercitar a fim de elevarmos o padrão moral da Terra.
Pena que a realidade nos aponte, com frequência, para outra direção. Basta, por exemplo, observarmos a quantidade de pessoas que se consideram dignas e boas, fazendo em uso de aplicativos para se livrarem, ou a seus amigos, das blitzen da “Lei Seca”. Em um país em que o número de mortes por acidentes envolvendo veículos é da ordem de 23 por dia, impossível não se deduzir que, dentre essas, inúmeras devem ter sido causadas por um irresponsável que dirigia alcoolizado. “Avisar, o que é que tem?” Tem vidas ceifadas e culpas a serem redimidas em vidas futuras, resultando em atraso na caminhada evolutiva.
Kardec, quando aborda o Código Penal da Vida Futura, no livro O Céu e o Inferno, registra duas questões a esse respeito: “Toda falta que se comete, todo mal praticado é uma dívida contraída e que tem que ser paga. Se não for nesta existência, será na próxima ou nas seguintes, porque todas as existências são solidárias entre si”. Ou seja, seremos sempre punidos por nossos atos equivocados. E a outra questão é a que trata da nossa responsabilidade: “Ninguém sofre penalidades pelas faltas alheias, a menos que para isso tenha dado algum motivo, seja provocando-as pelo seu exemplo, seja deixando de impedi-las quando podia fazê-lo”. Questão séria, que nos leva a reflexões profundas sobre os exemplos que estamos mostrando às crianças e jovens que contam com nossa orientação para trilharem os caminhos do bem, da ética e da boa moral.