
“Eu não quero esta vida pra mim”. Assim se expressou M., ao começar a nossa conversa. Para a Justiça, é um jovem em conflito com a Lei cumprindo medida socioeducativa em uma unidade do DEGASE – Departamento Geral de Ações Socioeducativas. Para mim, no entanto, é o rapaz gentil, que me recebe com um sorriso e me faz acreditar na possibilidade de se reparar um mau passo.
Somos uma equipe bem pequena que, semanalmente, busca levar a jovens de uma unidade daquele departamento as luzes da Doutrina Espírita. Igualmente pequeno é o número dos que se interessam em vir conversar conosco. Para a maioria, a passagem por ali se resume há poucos meses, o que gera um eterno rodízio. Lançar sementes tem sido, por isso, a nossa meta. E para tanto, precisamos ouvi-los.
Na última visita, do grupo de nove, quatro se destacaram por seus depoimentos. Entre eles, M., o jovem do sorriso amigo. Criado pela avó, mesmo vivendo em uma comunidade pobre e violenta, teve educação pautada em valores morais. As más companhias, no entanto, aliadas à vontade de ter roupas bonitas, tênis de marca e aparelho celular, fizeram-no crer que o melhor meio de obtê-los seria através do tráfico de drogas. A experiência não durou muito. Em pouco tempo se viu algemado e colocado dentro de um carro da polícia. Foi nessa hora que “caiu a ficha”, disse-nos ele. Não podia acreditar que estava preso. Sentiu medo, misturado à vergonha e pesar pelo que estaria causando à avó.
Na sua chegada à unidade de recepção, o choque de realidade: as agressões gratuitas dos encarregados de “enquadrar rapidamente” os novatos. A transferência para a unidade onde se encontra atualmente foi um alívio, porque ali não conheceu maus-tratos físicos. Quer continuar os estudos e arranjar um emprego para ajudar a família. Esta narrativa é bem semelhante à de outro companheiro seu que vem de uma família bem estruturada e já trabalha.
Histórias completamente opostas nos foram trazidas por P. e J., ambos de 16 anos. “Nasci na favela e cresci vendo só o que não presta: roubo, droga, violência... tudo. Era criança quando decidi que queria ser bandido, como meu pai, que estava preso. Tinha 12 anos quando entrei para o crime”. Conforme P. vai falando, o colega J. confirma tudo com a cabeça. Essa foi também a sua trajetória. Há, entre eles, algo em comum: a total descrença no futuro. Não acreditam em si, nem na sua capacidade de superar o que eles acham ser destino. Sabem que podem morrer cedo.
Um deles, ali presente, entra na conversa e diz não ter medo da morte. E o medo passa ser o assunto em foco. E para o nosso espanto, o mais falastrão do grupo confessa ter medo de escuro. Outro, de andar em ônibus cheio. Outro, ainda, de dormir perto do garoto do candomblé, seu colega de alojamento. E foi então que os vi como meninos assustados em meio aos espessos nevoeiros em que se transformaram suas vidas.
Ao finalizarmos, naquele dia, senti que precisava quebrar a rotina. Não podia terminar como sempre, fazendo uma roda, de mãos dadas, acompanhando o Pai Nosso puxado por um deles, dito apenas com os lábios. Pedi para orar. Precisava trazer, de fato, Jesus para o centro daquela roda e rogar a Sua misericórdia para aqueles jovens que ali estavam. Queria tocar-lhes o coração, já que trazia o meu partido por perceber em cada um, uma vítima, e não um réu.
Impotência, dor e aflição. As ideias confusas teimavam em ocupar-me a mente, noite adentro. Percebi nos contrastes entre a presença e a ausência de valores morais a origem dos sentimentos de esperança ou de conformação, entre a luz ou a escuridão que alimentam aquelas almas.
Estes pensamentos só cederam quando novamente procurei o consolo em Jesus, lembrando o seu convite para que O procurássemos quando estivéssemos cansados e sobrecarregados que ele nos aliviaria. E mentalizava-O atendendo às multidões, a quem socorria, incondicionalmente, com infinita paciência e compaixão. Sabemos que onde o Seu amor se instala, há sempre a esperança da vitória sobre si mesmo.
Como somos espiritualmente herdeiros do nosso passado, há entre aqueles jovens, os que tiveram o merecimento de contar com a boa retaguarda familiar, favorecendo a reabilitação, como também os que renasceram na miséria física e moral, possivelmente em função de fatores do passado que determinaram que assim fosse. Semeamos no campo da evolução e a ele voltamos para realizar a colheita.
Mas aqueles jovens, independente da bagagem que trazem, renasceram para progredir. E, vendo os seus dramas, só nos resta entregá -los nas mãos do Mestre Jesus, fonte de todo amparo e de todo amor, confiando que poderão encontrar a porta da recuperação.