
Qual é o seu maior sonho? De que você tem medo? Como você imagina que seja a sua vida daqui a dez anos? Essas três perguntas fazem parte de uma atividade muita usada por psicólogos e educadores quando querem conhecer um pouco mais sobre os sentimentos e pensamentos de crianças e jovens. Eu mesma já a utilizei ao longo dos anos. No passado, grande parte das respostas era bem prosaica. Excetuando o medo de perder os pais, os medos eram de barata, de escuro, de trovoada, relâmpago... Poder fazer uma viagem para a Disneyworld, ir ao programa da Xuxa, ganhar a casa de Barbie ou ser jogador de futebol resumia a maioria dos sonhos. E na projeção para o futuro, as meninas diziam, comumente, que estariam casadas, com filhos ou trabalhando depois de formadas em uma faculdade. Também os meninos se viam como profissionais dali a dez anos.
Hoje, quase todas as respostas mudaram. Raros são os que anelam casar e ter filhos. Quase todos estão pensando em carreira profissional. Ninguém mais cita o medo de barata ou de escuro. Além do receio de perder os pais – sempre recorrente ontem como hoje – agora, os medos falam de uma realidade cruel que assusta e deixa profundas marcas no psiquismo infantil. É o do assalto, do sequestro, da polícia e da bala perdida. Sonha-se em viver em um lugar mais calmo e seguro, em se ter uma boa casa, em ver em liberdade algum familiar que esteja preso (comum entre aqueles que vivem em comunidades de baixa renda). São respostas que denotam muita ansiedade e dificuldade de lidar com a realidade. Alteraram também os objetos do desejo. Independente da classe social, todos querem ter um aparelho de comunicação como smartphone ou tablet, ou trocar o que já possuem por outro mais moderno.
As nossas crianças estão convivendo com o medo e a insegurança, a exemplo do que acontece com os adultos responsáveis por sua educação e bem-estar. Há um clima negativo no ar, presente no noticiário e nas novelas da televisão, nas informações compartilhadas nas redes sociais e nos canais de vídeo da internet. Qualquer conversa nas antessalas dos consultórios, nas filas dos bancos, com o passageiro que viaja ao lado transforma-se em um relato detalhado de casos de violência, de cenas deprimentes, de experiências traumáticas... Isso sem falar na crise econômica, um item que veio se agregar às pautas de qualquer conversa.
A alegria, o desejo de experimentar e conhecer coisas novas, o brincar sabendo que sempre é possível voltar atrás e fazer de novo, a fantasia e a imaginação, tudo isto torna a infância um período fértil, onde são plantadas as sementes para um futuro mais feliz e mais harmonioso. No entanto, a natural alegria e a descontração infantil estão cedendo espaço se não à tristeza, ao menos à preocupação e ao medo. Nossas crianças estão assustadas e temerosas de que algo de mal lhes suceda ou aos seus entes queridos.
A infância, como apontam os estudiosos do desenvolvimento psicológico infantil, é a fase em que se constrói a estrutura do psiquismo do indivíduo. Além de precisar sentir-se amada, a criança necessita de segurança emocional para crescer de forma saudável. Recentes pesquisas de neurociências, como por exemplo, as de António Damásio, comprovaram a existência de uma relação entre as emoções de alegria e tristeza e a produção mental. Quem está alegre está mais predisposto a produzir um volume maior de ideias. Sentimentos positivos enriquecem a capacidade de pensar de criar, de encontrar saídas para problemas afligentes. Sentimentos negativos como a tristeza, ao contrário, causam a diminuição do fluxo das ideias, levando ao embotamento. Conviver com o medo e ansiedade podem desencadear reações orgânicas extremamente nocivas ao desenvolvimento saudável da criança.
Isso nos leva a supor que esse cenário pernicioso a que diariamente estão submetidas grandes parcelas da população infantil em nosso país as afetam muito mais do que possamos imaginar.
Mas se tudo ao redor concorre para dificultar as expressões de alegria, confiança e descontração da criança, é preciso parar e pensar no que podemos fazer para reverter, se possível, tal quadro. O primeiro passo pode ser tomar mais cuidado com aquilo a que elas estão expostas.
Há inúmeras situações cujo compartilhamento com as crianças e jovens poderia ser perfeitamente evitado. Se estivermos alertas ao prejuízo que, sem querer, estamos lhes causando, evitaríamos ser porta-voz de fatos violentos, controlaríamos mais os programas que assistem na TV ou os vídeos da internet. E, principalmente, conversaríamos sobre temas amenos, histórias edificantes; dialogaríamos sobre seus receios, dando-lhes a certeza de que podem confiar nos seus pais.
Colaborando para que vivam em um ambiente menos tenso, estaríamos também, ajudando a melhorar a psicosfera da Terra. Pensemos nisto.