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Artigo do Jornal: Jornal Março 2015

Sobre o autor

Lúcia Moysés

Lúcia Moysés

"O bem que praticas em qualquer lugar será teu advogado em toda parte." Emmanuel
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No salão, os adultos assistem o início do esquete infantil. Três crianças estão sentadas em torno de uma mesa. Um dos meninos mexe o tempo todo com um dinossauro de brinquedo, parecendo um tanto alheio. De repente, percebo ao meu lado um casal se aproximando. A mulher me abraça e me diz: “Aquele ali é nosso filho. Ele é autista. Tem seis anos.” O esquete continua.

O episódio se passou quando visitava, como representante do Conselho Espírita do Estado do Rio de Janeiro, um dos 62 polos do Encontro da Família (ENEFE) que ocorre anualmente durante o carnaval, em casas espíritas. Dali para diante, passei a observar o garoto. Mesmo sem falar, representou corretamente toda a cena com os colegas. A não ser pelo detalhe das mãos ligeiramente agitadas, nada indicava haver ali uma criança com um transtorno daquela magnitude. Ao final voltou à cena para os aplausos de mãos dadas com as outras crianças, agradeceu com um inclinar de cabeça. O mais espantoso aconteceu quando o grupo todo presente passou a cantar no encerramento do evento: ele também cantava. Encantada com o que via, puxei-o para mim. Sentado no meu colo, cantamos juntos. Quase chorei quando o vi repetir com suas mãos, os gestos que eu fazia com as minhas. Ele me encarara, fato incomum entre os autistas.

Segundo o Dr. Dráusio Varela [1] , o autismo é um transtorno global do desenvolvimento marcado por três características fundamentais: inabilidade para interagir socialmente; dificuldade no domínio da linguagem para comunicar-se ou lidar com jogos simbólicos e padrão de comportamento restritivo e repetitivo.

Aquele menino desde muito cedo não interagia com ninguém e não falava. Vivia em um mundo à parte. Filho de pais espíritas, foi levado para as aulas de evangelização infantil. Lá, foi acolhido com todo o carinho pelas educadoras. Uma, em especial, passou a lhe dedicar mais atenção. Queria vê-lo integrado à turma. E é ela quem me conta o quanto ele vem ganhando em sociabilidade – fato facilmente comprovado por todos os presentes àquele encontro.

Na breve conversa com os pais, descobri que receberam com tranquilidade o filho que Deus lhes enviara. Longe de ser um fardo pesado, julgavam que aquela criança talvez representasse uma oportunidade de reparar uma falta cometida em vidas passadas. Amavam-na profundamente e tudo faziam para tornar a sua vida feliz e ajustada.

Lembrei-me, de imediato, de uma passagem contida no livro Memórias de um Suicida, psicografado por Yvonne Pereira, que aborda a história de um espírito duplamente culpado, pois estrangulara sua esposa e atentara contra a própria vida. Como consequência, amargou longos padecimentos em zonas umbralinas. Até que um dia, pela misericórdia divina, foi recolhido a uma colônia de socorro e reeducação. Lá, bons espíritos o fizeram compreender que, por todas as graves faltas cometidas contra si e contra a companheira, deveria retornar à Terra mutilado, sem as mãos. Seria uma vida de angústias e de dor.

Cabia aos mentores que o acompanhavam a tarefa de encontrar uma mãe que o acolhesse. Assim, em certa noite, uma moça solteira, muito pobre, que havia se envolvido com um homem que a seduziu e a desrespeitou, foi levada ao Plano Espiritual, parcialmente desligada do corpo físico, enquanto dormia. Lá, um Benfeitor tenta convencê-la a aceitar como filho aquele espírito devedor. Horrorizada, se nega a fazê-lo. Pensa nas consequências morais de ser mãe solteira e, ainda por cima, de um filho aleijado. Não. Definitivamente não desejava aquele fardo.

Foi então, através de processos avançados de indução de memórias de vidas passadas, que ela reviu, fortemente impressionada, sua última reencarnação. Reconheceu-se como dama orgulhosa da própria beleza, irreverente e vaidosa. Sem escrúpulos, traíra muitas vezes o marido. Recusando-se a ter filhos, chegara mesmo à prática do infanticídio. Naquele momento lembrou-se de que aquela vida tão humilde havia sido solicitada ao Criador como meio de reparação das suas faltas anteriores. Desejara reabilitar-se para prosseguir sua caminhada em paz.

E agora, como acréscimo de misericórdia concedida pelo Pai, recebia o dadivoso convite para ajudar a própria causa, prestando-se ao serviço da maternidade a outro delinquente, também carente de evolução e progresso moral. Era a lei de causa e efeito se fazendo presente.

Refletindo sobre o caso, imagino que aquele menino tenha comprometimentos do passado. Seus pais talvez os tenham também. Ou, quem sabe, sejam apenas almas bondosas que aceitaram a missão de recebê-lo amorosamente, dando-lhe oportunidades de ressarcir seus próprios enganos e progredir.

Uma coisa, porém, é certa. Seja o que for, estão no caminho certo, pois há ali uma vida que se refaz. Que Deus os abençoe.

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