
A vertiginosa transformação nos padrões de vida no mundo atual nos leva a rever valores arraigados, substituindo-os por outros, mais condizentes com a realidade e com os avanços científicos e tecnológicos. Não é tarefa fácil para quem já viveu algumas dezenas de anos, como nós. Para acompanharmos o progresso da civilização só nos resta a adaptação. E é assim que vamos incorporando novos hábitos à nossa vida, tornando-a tão diferente daquela vivida pelos nossos pais.
Assimilados acriticamente, algumas vezes vemos pessoas exagerarem e perderem o bom senso no uso desses tais avanços. Tal foi o caso de uma mãe que entrou na justiça contra um professor que tomou o celular que o seu filho utilizava em sala de aula. Pedia indenização por danos morais diante do sentimento de “impotência, revolta, além de um enorme desgaste físico e emocional” por ele sofrido.
Como educadora, venho acompanhando as mudanças nas relações entre professores e alunos, hoje matizadas pela desconsideração e desobediência. Atuar no magistério tem sido um suplício para um grande número de profissionais da educação, levando muitos deles a abandonarem a carreira que provavelmente fora abraçada com entusiasmo e esperança. E esperança foi o sentimento que floresceu em nossos corações de educadores quando vimos o juiz Eliezer Siqueira Junior, da 1ª Vara Cível de uma pequena cidade sergipana onde se deu o caso, proferir uma sentença exemplar, enaltecendo a figura do professor, ao mesmo tempo em que pontuava seu julgamento sobre o uso do aparelho celular durante as aulas.
“O professor – diz ele no seu parecer – é o indivíduo vocacionado a tirar outro indivíduo das trevas da ignorância, da escuridão, para as luzes do conhecimento, dignificando-o como pessoa que pensa e existe”. De fato, a sua autoridade em sala de aula é legítima, embora ignorada por aqueles que, possivelmente em outras instâncias, também desconhecem o que seja obediência.
Penso que o verdadeiro dano moral a que se referiu a mãe do estudante não foi o decorrente da atitude do professor, mas aquele produzido por ela própria, ao sancionar o comportamento equivocado do filho, buscando punição para o educador em uma clara inversão de valores.
Dentre as inovações pedagógicas, em especial em países mais avançados, destaca-se a utilização de aparelhos digitais ligados à internet como ferramentas de ensino e aprendizagem. Seu poder é inegável, pois, além do enorme potencial de informação, eles são extremamente motivadores por todos os recursos adicionais que oferecem aos usuários. Portanto, a utilização pedagógica, por professores e alunos, de tais aparelhos – e aí se inclui o celular – é altamente recomendável.
Mas este ainda não tem sido o caso na enorme maioria das nossas escolas, como não o foi em relação ao aluno cuja mãe entrou na justiça. Ele se distraía ouvindo música no celular, negando-se a participar da aula, em uma atitude de enfretamento com o professor.
Há passagens no parecer do juiz que nos levam a uma profunda reflexão sobre os rumos da educação na atualidade. Diz ele: “Julgar procedente esta demanda é desferir uma bofetada na reserva moral e educacional deste País, privilegiando a alienação e a contraeducação, as novelas, os ‘reality-shows’, a ostentação, o ‘bullying’ intelectivo, o ócio improdutivo, enfim, toda a massa intelectivamente improdutiva que vem assolando os lares do País, fazendo às vezes de educadores, ensinando falsos valores e implodindo a educação brasileira”.E mais: “No País que virou as costas para a educação e que faz a apologia do hedonismo inconsequente, através de tantos expedientes alienantes, reverencio o verdadeiro herói nacional [...]: o Professor”.
Nos espaços nos quais temos tido a oportunidade de escrever e de falar, temos insistido em alguns desses temas – caráter alienante da cultura do espetáculo despido de valores morais, o hedonismo, a ostentação e tantos outros – cujas consequências são o enfraquecimento dos valores que realmente merecem ser cultivados, aqueles que nos fazem pessoas melhores, mais humanas e compassivas.
Parece-nos urgente recolocar a figura do educador, não como o salvador da pátria, até porque educação se faz na convergência de inúmeros fatores, mas como um profissional que se preparou para atuar na formação intelecto-moral da nova geração e que, como tal, precisa ser respeitado.
Sabemos que nas fases iniciais da vida é mais fácil plasmar o caráter das crianças. Apoiando o professor, conferindo-lhe autoridade para colaborar na educação moral dos seus filhos, reconhecendo-os como um parceiro e não como um adversário, os pais certamente estariam auxiliando seus filhos a crescerem como pessoas de bem, cultivando a dignidade e os nobres sentimentos.