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Cortar os brotos defeituosos assim que apontarem, a fim de que a árvore cresça aprumada. Assim aconselha Santo Agostinho aos pais. Observar bem as atitudes dos filhos e tratar de corrigi-los a tempo também faz parte da sabedoria popular: "é de pequenino que se torce o pepino".
Preocupa-me, sobremodo, ver criança crescendo com maus hábitos, sem que o adulto a oriente. Mais aflita fico ao perceber que, ao invés de corrigir, há pais que voluntária ou involuntariamente, alimentam tais desvios, como no caso que me foi narrado por uma professora que atua em uma escola de periferia, no Rio de Janeiro.
Em uma sala de aula de 5º ano, uma professora sentiu falta do seu telefone celular que estava guardado na bolsa. Ela o havia desligado, meia hora antes, ali mesmo. No local só entrara ela e seus alunos. Depois de anunciado o problema, todas as tentativas saudáveis foram utilizadas, dando chance ao faltoso de devolver o telefone, preservando-se o anonimato. Nada funcionou.
Passadas duas semanas, uma aluna daquela turma aparece com um celular idêntico ao da professora. Por se tratar de uma menina que vive com grande dificuldade financeira, a professora comunicou o fato à diretora. Em resumo: havia um meio de reconhecer o aparelho. Era o que desaparecera. Tal fato levou a direção da escola a solicitar que a aluna o devolvesse, o que foi feito. Indagada sobre os motivos da sua atitude, a garota respondeu, simplesmente, que deseja ter um telefone como aquele.
Para espanto geral, no dia seguinte, a diretora recebe uma ligação da mãe, inconformada com a medida tomada pela escola, exigindo que o aparelho fosse devolvido à filha.
Ignoro os motivos que levaram a mãe a acobertar a atitude da filha. Na melhor das hipóteses, imagino que a garota tenha chegado à casa com o celular afirmando tê-lo recebido de alguém ou o encontrado na rua. Em ambos os casos, qualquer mãe ou pai zeloso da formação moral dos filhos iria querer apurar os fatos, principalmente se levasse em conta o valor do objeto em questão. Se tivesse sido encontrado, haveria de descobrir um meio de devolvê-lo ao seu verdadeiro dono.
Deixar de tomar tais providências é ser conivente com a atitude equivocada do filho; é deixar de cumprir o seu papel de orientar os seus passos nas sendas do bem.
Analisando o móvel da ação da aluna, percebe-se que se deixou levar unicamente pelo seu desejo. Eis aí um problema grave que os pais precisam enfrentar desde cedo. Respeitar o que é do outro deveria ser uma das primeiras lições de moral ministrada pelos pais à prole. Fechar os olhos a isto é deixar crescer o broto torto na árvore, tornando difícil a sua posterior remoção.
Confesso que o caso me instigou tanto que passei a me aprofundar na questão do objeto do desejo: o aparelho celular.
Quem já teve a oportunidade de verificar as maravilhas oferecidas por um desses dispositivos móveis como um smartphone ou um tablet sabe como são sedutores. Tudo está programado para facilitar o uso: vídeos, filmes, músicas e jogos que podem ser baixados, redes sociais e conversas que podem ser acessadas, conversas ao telefone com vídeos, programas de televisão que podem ser acompanhados em tempo real e mais uma infinidade de recursos que só os experts conseguem dominá-los.
Nessa nossa sociedade de consumo, que utiliza a propaganda maciça para despertar nas pessoas o desejo de comprar os novos produtos lançados ininterruptamente no mercado, não é de se admirar que tantos se sintam fascinados por esses aparelhos que prometem tanta diversão, além de agregar status aos seus proprietários. É compreensível, embora não justificável, que crianças e jovens desejem ardentemente possuí-los.
Conscientes de que estamos todos mergulhados nesse tipo de sociedade, é imperioso o diálogo no seio da família, confrontando tais desejos com a situação econômica que a mesma desfruta.
No caso que relatamos, uma conversa franca e esclarecedora entre a mãe e a filha acerca do seu desejo de ter um celular, poderia ter evitado que enfrentassem uma situação tão constrangedora. No meu íntimo torço para que a menina tenha aprendido a lição acerca de respeito à propriedade alheia. Sei, no entanto, que se não perceber nos adultos que lhe são próximos, aqueles que ela respeita e ama, comportamentos morais dignos e corretos, talvez continue furtando, apenas tomando mais cuidado para não ser apanhada.
É inevitável a lembrança do famoso pensamento de Pitágoras, enunciado há mais 2.500 anos: "Educai a criança para não ser necessário punir o adulto".
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