
Este cenário, infelizmente, não é novidade na vida moderna. Com a chegada maciça das mulheres ao mercado de trabalho, foram necessários novos arranjos na organização doméstica e familiar. Não tendo abdicado de ser mãe, muitas mulheres acabaram por enfrentar o problema da conciliação entre esse papel e o profissional. Com a emancipação feminina, cresceu também o número de mulheres que criam seus filhos na ausência dos pais. Assim, para milhares delas, a solução encontrada foi pedir ajuda às avós na tarefa da educação das crianças.
De modo geral, o que se vê é o seguinte: a mãe sai para trabalhar, deixando sob a responsabilidade da avó a tarefa de cuidar das crianças. Em uma época em que já deveria estar descansando ou se dedicando aos seus próprios interesses, ela deverá estar atenta para realizar a tempo e à hora, toda aquela rotina necessária à manutenção da saúde e do bem-estar da criança, cuidados que vão da higiene ao acompanhamento escolar.
É evidente que muitas avós fazem tudo isso com carinho e dedicação. Sentem-se úteis e mostram-se felizes em poder ajudar. Mas há aqui uma questão delicada, sobre a qual queremos nos debruçar: o conflito de autoridade. Sabemos que o desenvolvimento de uma personalidade sadia se faz a partir de modelos referenciais. Expor a criança ou o adolescente a duas referências antagônicas é prejudicial a esse desenvolvimento. Guiada pelo princípio do prazer, ele poderá se inclinar para o modelo que lhe faça menos exigências morais.
Sabemos que quando um espírito reencarna em uma família, a principal responsabilidade pela sua educação é dos pais. Os avós, no que pese a relevância da sua contribuição, já cumpriram esse papel na educação dos seus próprios filhos.
Na prática, porém, vê-se, com frequência, uma confusão de papéis, ocasionando graves consequências para a educação da criança e do jovem.
No caso que relatamos, a avó cuidou sozinha dos netos, desde pequenos, enquanto a sua filha trabalhava. O fato de presentear o neto com objetos caros e na hora inadequada, não a incomoda. Vê este gesto como um direito seu e um ato de amor. Fechada no seu ponto de vista, não consegue dialogar com a filha que reivindica para si a tarefa de educar o filho. Ao contrário da avó, a mãe acha que o jovem deveria sofrer as consequências por seu fracasso escolar e por suas atitudes irresponsáveis em relação aos estudos. Nada de presentes!
Conhecemos pouco o caso, apenas o suficiente para saber que a segunda reprovação consecutiva não foi fortuita. Ela é o somatório de pequenas batalhas perdidas pela mãe contra a avó ao longo dos anos; de suas dificuldades para imprimir uma orientação segura ao filho, fortalecendo sua determinação no cumprimento dos deveres.
A senhorinha, ao nos expor o caso, esperava que lhe déssemos razão. Como não nos cabia julgá-la, mantivemo-nos à parte. A gravidade do fato, porém, nos fez pensar a respeito do seu significado na vida do jovem. A esta altura a mãe já perdeu grande parcela do seu poder sobre o filho. Sua opinião é contestada pela avó.
Os conflitos desaguam, em geral, para discussões ásperas entre mãe e filha, sob as vistas do neto. Nesse confronto perdem todos. As brigas, as trocas de acusações revelam desequilíbrio emocional de ambas. E, aos olhos do jovem, perdem as duas em termos de autoridade e respeito.
A situação é complexa, a exigir de todos não somente compreensão, mas uma avaliação profunda sobre os malefícios desse conflito de autoridade. Serve, no entanto, de lição para outras famílias que começam a viver o problema da dupla autoridade. Avós são sempre bem-vindos, mas a educação dos filhos é prerrogativa dos pais. “[...], os Espíritos dos pais têm por missão desenvolver os de seus filhos pela educação. Constitui-lhes isso uma tarefa. Tornar-se-ão culpados, se vierem a falir no seu desempenho.” (Allan Kardec, em O Livro dos Espíritos, questão 208).