
cogitar sobre o que estaria se passando no seio das suas famílias. Tenho a impressão de que, se
elas pudessem, não hesitariam em abandoná-las. Olhares tristes, rostos inexpressivos e cabeças
baixas testemunham o quanto têm diminuta a autoestima. Se procurarmos conhecer um pouco
mais sobre o que as levou a esse ponto, descobriremos, provavelmente, uma história de maus-
tratos que vem desde os primeiros meses de vida.
Há pessoas que definitivamente não estão preparados para serem pais e se, por uma
razão qualquer, a vida os levou a desempenhar esse papel, mantém uma atitude de rejeição –
declarada ou velada – pelos filhos.
Conheço histórias difíceis de acreditar pelo grau de tormento imposto à criança. Sei,
por exemplo, de uma mãe que trabalha à noite e que, ao sair, delega tantas tarefas aos filhos
pequenos que eles, por vezes, vão dormir exaustos, sem conseguir terminar tudo. E ela, ao
chegar, por volta da meia-noite, não hesita em acordá-los para cumprirem aquilo que não foi
feito. Pode-se imaginar a revolta que abrigam nos seus corações.
Há pais que demonstram claramente preferência por um dos filhos, e não se incomodam
com o fato. Ao contrário, alardeiam aos quatro ventos esse amor, ao mesmo tempo em
que massacram o que não é amado, aproveitam oportunidades surgidas para comparar os
irmãos, desqualificando toda ação proveniente do preterido. Nesse, predomina, quase sempre,
sentimentos de inadequação, de fracasso e de insegurança.
Há mães e pais tão desapegados dos filhos que só têm olhos para si mesmos. São pessoas
que se colocam sempre em primeiro lugar, seja em que situação for. Pensam assim: roupa nova,
criança espera. Divertimento, criança se for, atrapalha. Acompanhar os estudos, obrigação da
escola. Querem ser felizes o tempo todo e não estão dispostos a renunciar em prol dos filhos.
Em casa, se trancam nos seus quartos para não serem incomodados. Se saírem, esmeram-se nos
cuidados próprios e se divertem, sem se importar com os sentimentos de exclusão que possam
suscitar nas crianças.
No extremo, há aqueles que batem, gritam, xingam e humilham a criança, não se dando
conta do mal que fazem.
Grosserias e humilhações são comuns em milhares de famílias e retratam o quadro
de estresse sob o qual vivem os pais. Para muitos, a vida é mesmo assim. Julgam que, por
trabalharem duro para manter as exigências da vida moderna, os pais têm direito à paz e ao
sossego quando retornam ao lar. Criança perturba, dizem. Então, é preciso enquadrá-las em
rotinas de disciplina para que tudo corra a contento.
Desnecessário dizer que todas essas são formas de maus-tratos não deveriam existir.
A criança tem direito a ser amada, cuidada e protegida por seus pais, é o que preceitua a
Declaração Universal dos Direitos da Criança.
Afirma Erik Erikson, renomado psicanalista do século XX, que para a criança desenvolver
uma personalidade sadia é necessário que, no primeiro ano de vida, ela adquira “confiança
básica” nos seus pais ou substitutos. Se esse sentimento é bem instalado, ela ganhará confiança
e segurança no mundo a sua volta. Mas, se ocorre o contrário, a insegurança, a desconfiança,
a ansiedade e o medo serão suas formas predominantes de lidar com o seu entorno. Essa, diz
Erikson, serão características que provavelmente serão incorporadas à sua personalidade ao
longo da vida.
Comparados com outros pais mais equilibrados – aqueles que praticam as orientações
emanadas do Evangelho de Jesus –, percebemos que aqueles aqui retratados talvez estejam tão
necessitados de ajuda quanto seus próprios rebentos.
É evidente que tantos desajustes têm repercussões mais profundas, tanto para as crianças,
quanto para os causadores dos seus tormentos. Lares em desarmonia são campos abertos para
sintonias do mesmo padrão vibratório. Além disso, sob a ótica espírita, sabemos que esses pais
que deliberadamente infelicitam de forma sistemática suas crianças submetem-se à lei de causa
e efeito e, mais tarde, sofrerão as consequências de seus atos.
Não há quem não conheça casos em que a colheita de dores e sofrimentos chega durante a
própria vida terrena dos pais, quando filhos que lhes foram vítimas os abandonam quando suas
forças, saúde e independência declinam com a chegada da velhice. Por isso é sempre bom nos
lembrarmos do ensinamento de Jesus, fazendo ao próximo tudo aquilo que desejaríamos que
nos fosse feito.