Bien Boa era o nome de um Espírito materializado que se manifestou pela primeira vez durante uma sessão mediúnica acontecida em Vila Carmem na cidade de Algeri em agosto de 1905. Este fenômeno se deu na casa do general Noel com a participação do médium Marta Béraud e foi estudado por Charles Richet1 e pelo engenheiro espírita Gabriel Delann2e. O mesmo Espírito também se manifestou, entre 1903 e 1905, através de outra médium em uma sessão em que Richet não esteve presente.
Este fenômeno foi particularmente interessante não só pela participação de Richet como também pela grande polêmica que causou entre os estudiosos do assunto. Falando deste Espírito materializado escreveu Richet em seu Tratado de Metapsiquica:
Bien Boa ia e vinha pela sala. Podíamos ver seus olhos abrindo e fechando e sua boca se movendo quando ele tentava falar. Parecia a tal ponto um ser vivo que eu imaginei a seguinte experiência. Tomei um frasco cheio de água de barita. Eu desejava saber se o fantasma, ao respirar, produzia o mesmo fenômeno das pessoas vivas – o ácido carbônico – cuja presença se revela pela alteração da cor da água deste tipo. Este experimento foi feito com resultado positivo.
Confirmo que jamais retirei os olhos do frasco. Bien Boa estava no ângulo esquerdo do gabinete mediúnico parecendo flutuar no ar acima de Marta (a médium) que se encontrava sentada. Enquanto Bien Boa soprava no frasco e se ouvia o gorgolejar do ar dentro do recipiente. Eu disse repetidamente a Delanne: “Não perca Marta de Vista” e ele me respondia: “Posso ver Marta inteiramente.” Quando vimos que a água de barita, depois de ter sido soprada havia modificado a sua cor, nos gritamos: Bravo! Então Bien Boa comportou-se como um ator que houvesse desempenhado bem o seu papel e deixou o lugar erguendo e abaixando a cabeça como quem cumprimenta um auditório. 3
A polêmica em torno deste caso teve a sua origem na declaração de Areski, um cocheiro árabe que servia ao General Noel. Este homem havia perdido o emprego acusado de furto. Para se vingar do ex-patrão. Ele afirmou que Bien Boa era uma grande farsa da qual ele mesmo havia participado. Um médico de Algeri, acreditou nas declarações do cocheiro e, desejoso de tirar proveito da situação, decidiu repetir o truque mediúnico ante a uma plateia pagante. Então, Areski foi vestido como o Espírito e foram realizados alguns jogos cênicos mais ou menos espetaculares.
Também foi dito que Marta havia confessado a fraude a um advogado local, o qual, porém, foi preservado por meio de um pseudônimo. Nada de espiritual havia acontecido e Richet havia sido vítima de um embuste e acusado de falta de perspicácia. Era isto o que as pessoas imaginavam.
Para se ter uma boa ideia deste fato seria necessário, antes de tudo, pensar na atmosfera da época quando os debates entre os partidários de Richet e dos fenômenos psíquicos e os seus negadores mantinham calorosos enfrentamentos. Neste caso, havia contra Richet a afirmação de um cocheiro despedido por furto e de um advogado anônimo que divulgou uma pretensa confissão de Marta Beraud, uma profissional que não foi pega em flagrante de fraude e que tinha tudo a perder com uma confissão do gênero. Tudo isso é um conjunto de elementos muito frágil para afirmar a mistificação neste caso.
A favor da autenticidade do caso, temos a figura do próprio Richet que não pode ser tomado, de modo algum, como um ingênuo, negando a sua capacidade cientifica e de observação. O bom senso nos diz que não é possível aceitar a tese da ingenuidade de Richet e de Delanne, a não ser que os insensatos seja quem afirme tal coisa.
Vejamos de que modo Richet descreve a sala onde havia as sessões: “Situada em um pequeno pavilhão isolado sobre uma estrebaria com um teto abobadado com janelas que permaneciam sempre fechadas. A única porta também era fechada a chave no início de cada sessão. Era Richet e Delanne quem inspecionava o lugar cuidadosamente para evitar fraudes.
No fundo da construção havia um pequeno vão inteiramente escuro e de forma triangular cuja hipotenusa da tenda media cerca de dois metros e cinquenta de largura”. Descreve também o lugar específico em que Bien Boa se manifestava: Depois de uma grande sala, vejo perto de mim, em frente à tenda sem que esta se movesse um vapor branco a cerca de 40 centímetros de mim. Era como um véu branco ou um pequeno lenço sobre o solo.
Esta coisa no chão, vai se desenvolvendo e logo se transforma em uma cabeça situando um pouco mais alto do que o nível do solo. Em seguida, se alça, aumenta de tamanho e se transforma em uma forma humana: um homem de pequena estatura, vestido com um manto branco, usando turbante e barba e que vai claudicando ligeiramente da minha direita a minha esquerda. De repente esse fantasma (fantasma de Bien Boa) perdia consistência e desaparecia no solo com um barulho de clac...clac... como o ruído de um esqueleto que se desintegrasse.
1 Charles Richet (1850-1935) Famoso estudioso da mediunidade e autor de um livro clássico sobre o tema intitulado Tratado de Metapsíquica.
2 Engenheiro de profissão e considerado o primeiro expoente do Espiritismo científico no fim do século XIX e início do século XX. Colaborou com Charles Richet. Entre suas obras mais conhecidas encontram-se: O Fenômeno Espírita (1894) O Espiritismo perante a Ciência (1895) e a Alma imortal (1904)
3 Bompiani. 1973. p.51.