
Segundo o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa On-line, letargia significa "sono profundo em que a circulação e a respiração parecem estar suspensas". Quanto à catalepsia, esta foi definida como "doença letárgica caracterizada pela imobilidade do corpo e pela rigidez dos músculos".
Apesar de corretas, estas definições estão incompletas, abordando-as apenas no sentido biológico. Allan Kardec, conhecedor destes fenômenos desde o tempo em que se dedicava ao estudo e à prática do Magnetismo, aprimorado este conhecimento pelo Espiritismo, classificou-os como fenômenos de emancipação da alma, dando-lhes uma explicação única. Tanto uma quanto a outra podem ser geradas por fatores fisiológicos quanto patológicos, mas ambas representam a independência do Espírito alcançada pelo seu desligamento do corpo físico. Reduzida a atividade corporal, o Espírito consegue desprender-se parcialmente do corpo. As percepções através de um ou mais sentidos físicos são obliteradas enquanto que as faculdades espirituais se sobressaem.
Referente à catalepsia, esta é uma condição em que ocorre o enrijecimento muscular, geralmente de uma parte do corpo, mantendo o indivíduo a sua lucidez. Já na letargia, o sujeito perde o controle muscular, caindo em lassidão tanto maior quanto mais desligado do corpo estiver o Espírito. Sintomas diferentes, mas pertencendo ambas ao capítulo da emancipação da alma.
Um exemplo clássico de letargia é o caso de Lázaro relatado no Evangelho segundo João (XI, 1-44). Encontrava-se ele em profundo estado letárgico, com todas as características da morte. O corpo já exalava o cheiro pútrido de decomposição cadavérica. O conhecimento da época fez entender o episódio como sendo a morte de Lázaro. Jesus é, portanto, solicitado a promover a sua ressurreição. O Cristo chama-o (o Espírito) de volta ao corpo e fica registrado mais um "milagre" seu.
O grande pesquisador italiano Ernesto Bozzano, em seu livro Anismismo ou Espiritismo?, descreve diversas situações em que certos indivíduos envolvidos possuíam a capacidade de realizar estes fenômenos que ele chamou de bilocação. Vale a pena ler esta obra, pois se trata de um clássico do Espiritismo científico que muito acrescenta a quem se interessar por este tema. Através da bilocação ou estado de emancipação o Espírito recobra parte das suas faculdades revelando percepções avançadas sem o uso dos sentidos físicos.
Visão e audição à distância, vista do passado e do futuro, visão através de corpos opacos, tudo isto revela que algo está a agir, mas não é o corpo, pois este se encontra em prostração. Nesse estado, não é com os olhos e ouvidos corporais que o indivíduo percebe as coisas. Há um sentido oculto pertencente ao Espírito que, devido ao entorpecimento físico, age com mais liberdade e expressa com mais facilidade através das suas faculdades. A própria inteligência pode achar-se mais aguçada. O Codificador escreveu na Revista Espírita (janeiro de 1866) sobre uma jovem letárgica que entrava em êxtase e manifestava capacidades singulares:
Eis uma jovem, uma camponesa analfabeta, que não só se exprime com elegância, com poesia, mas em quem se revelam conhecimentos científicos sobre coisas que não aprendeu e – circunstância não menos singular – isto ocorre num estado particular, ao sair do qual tudo é esquecido: volta a ser tão ignorante quanto antes. Entrando no estado extático, a lembrança lhe volta com as mesmas faculdades e os mesmos conhecimentos; para ela são duas existências distintas.
Na mesma Revista Espírita Kardec dá a explicação para o fenômeno:
Durante sua união com o corpo, ela [a alma] percebe por meio dos sentidos, transmite seu pensamento com a ajuda do cérebro; separada do corpo, percebe diretamente e pensa mais livremente. Tendo os sentidos um alcance circunscrito, as percepções recebidas por seu intermédio são limitadas e, de certo modo, amortecidas; recebidas sem intermediário, são indefinidas e de uma sutileza surpreendente, porque ultrapassa, não a força humana, mas todos os produtos de nossos meios materiais.
Razão têm os Espíritos ao compararem a vida terrena a uma prisão. A união do Espírito ao corpo faz com que os sentidos espirituais sejam obliterados, pois aquele que se vê obrigado a sentir e perceber o mundo à sua volta pelos limitados sentidos físicos que são os recursos disponíveis para captação e registro do mundo terreno. É como um bom músico que só dispõe de um instrumento musical de baixa qualidade ou rudimentar. Livre pelo menos parcialmente do corpo, ele pode manifestar-se de maneira mais independente utilizando um maior percentual da sua capacidade.
Há indivíduos que possuem a faculdade de desprendimento em alto grau, o que significa uma maior liberdade para o Espírito que consegue utilizar melhor e com mais profundidade as faculdades psíquicas. Durante o êxtase alcançam outros mundos que descrevem, veem-se claramente fora do corpo enxergando o seu corpo físico ao lado. Sentem-se mais vivos, mais conscientes e acordados do que quando em estado de vigília.
É a prova, como disse Allan Kardec, de que existe algo em nós que pode se manifestar independente do corpo físico. E este algo o que poderia ser senão a alma?