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Eu, que era publicano, senti-me muito contemplado com aquelas palavras. Então, apesar de pecador (ou talvez por isso mesmo) eu havia sido escolhido por ele.

Eu me lembro, eu me lembro mesmo e como poderia me esquecer? Foi na Primavera quando as águas do Jordão saltam alegres sobre as pequenas pedras redondas, e a grande águia faz desenhos no céu. A terra parece mulher fértil em cujo seio a vida amadurece e explode farta em messes e abundância. Os homens bebem vinho fresco, suave e capitoso, extraído da uva fresca e sumarenta. Os pastores, no campo, cuidam de seus rebanhos que, espalhados pelo verde das pastagens parecem flocos de em seu tranqüilo. Borboletas de asas azuis nadam no ar sem destino, pousando nas flores escolhidas ao acaso abelhas operárias procuram o mel escondido no seio aveludado, bem no fundo, entre as pétalas; zumbem besouros apressados, cantam pássaros nos beiras das casas, trabalham os pescadores costurando suas redes ou concertando seus barcos pintados de amarelo; a vida se manifesta em toda a sua variedade.

Naquela manhã despertei respirando em longos haustos o ar de primavera. Estava pronto para trabalhar em minha banca de coletor de impostos. Minha vida era, então, economicamente estável e todas as coisas corriam muito bem para mim. Somente uma pequena nuvem toldava o meu céu primaveril. Uma nuvem muito pequena, mas que vinha crescendo ultimamente.  O meu maior problema, à época, era o fato de eu não saber qual a causa da nuvenzinha perturbadora. Só sabia que era uma nuvem e mais nada. O que eu sentia, naquela ocasião, era uma espécie de inquietação, de vazio e, por mais que eu buscasse a causa daquela estranha sensação, nada encontrava.

Dei um ponta-pé na pequena nuvem e ela desapareceu. Liberado daquela sensação fui começar o meu trabalho. Naquele dia, a cidade estava cheia: havia judeus vindos da Babilônia com suas barbas negras enroladas em cachilhos; outros, chegados do Egito, vestiam túnicas cor de açafrão e as barbas divididas no meio; judeus gregos de Éfesos e Atenas, usando uma túnica leve e muito bem cortada que lhes dava certo ar de afetação; romanos orgulhosos que olhavam com desprezo e curiosidade para a população judia; judeus locais que vinham à minha banca para pagarem seus impostos.  Tudo me parecia tão normal e tão calmo que me esquecera, inteiramente, da minha pequena nuvem de preocupação.
De repente, ouvi uma algaravia. Muitas pessoas falavam ao mesmo tempo e se empurravam uns aos outros para ficar mais perto de um homem alto que me pareceu, pelos cabelos e pela barba, ser um Galileu. Sem que eu soubesse o porquê aquele homem mexeu comigo e fez meu coração bater mais apressado. A minha admiração transformou-se em surpresa, quando ele parou junto de minha banca na coletoria e, depois de me olhar por alguns segundos, ele me disse: "Levy, vem comigo!" Ao ouvir aquelas palavras, dentro de mim, criou-se um impulso tão forte que me atirou para frente e me fez atender o seu pedido. Segui-o sem saber o porquê nem o para que eu o fazia.

Caminhando ao lado dele, esqueci-me de tudo e a nuvenzinha desapareceu por completo. Eu me senti em paz. Convidei-o naquele mesmo dia para almoçar comigo em minha casa e ele aceitou. Pessoas da minha classe social não podem dar banquetes em sigilo e sempre se convidam muitas pessoas de modo que esses momentos se tornam, verdadeiramente especiais.

Nesse banquete convidei muitos amigos meus publicanos como eu. Os amigos de Jesus também foram convidados. Em pouco a minha casa estava cheia de convidados. Algumas pessoas importantes sentiam-se incomodadas pela presença ali de muitos pecadores e mais se admiravam e criticavam o fato de Jesus comer com eles. Um deles ousou reprovar Jesus publicamente, mas ele, olhando para o acusador, falou-lhe com severa doçura. Sim, eu como com os publicanos e os pecadores, pois não são os sãos que precisam de médicos, porém, os doentes. Eu não vim a este mundo chamar os justos, mas os pecadores.

Eu, que era publicano, senti-me muito contemplado com aquelas palavras. Então, apesar de pecador (ou talvez por isso mesmo) eu havia sido escolhido por ele. Eu estava doente e não sabia e ali estava Jesus, o médico das almas. No dia seguinte, passei a minha banca para um outro publicano e me integrei ao grupo dele. Um dia ele disse: "A minha paz vos dou". No início não compreendo muito bem o que ele dizia, mas logo, logo entendi a verdade dessas palavras. Nunca mais senti aquele vazio nem aquela nuvem de inquietação voltou a pousar sobre mim Eu havia encontrado a paz e nada pode ser mais importante do que isso.

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