::introtext::::/introtext::
::fulltext::

A vivência familiar é fundamental para a formação psicológica do indivíduo, pois na condição de seres gregários, sociáveis, ela oferece a possibilidade dessa convivência em plano micro, devendo preparar o indivíduo para a vivência mais ampla na sociedade. No entanto, ao observar os panoramas da atualidade, constata-se que não chegamos ainda à vivência plena da sua finalidade. A violência em grande escala, a criminalidade, os abusos éticos em toda a parte, dentre outros fatores, demonstram que a família não está cumprindo a função que lhe está destinada, pois quando o egoísmo predomina no organismo social, é sinal que os laços de família encontram-se fragilizados.1
Dentre as funções da família para promoção do indivíduo, e que devem ser objeto das nossas reflexões, podemos destacar:
- estimular o desenvolvimento da afetividade, de forma saudável e cada vez mais ampla: o amor que sai do círculo familiar e encontra a humanidade;
- auxiliar a construção da autonomia, libertando o indivíduo de qualquer tipo de dependência;
- propiciar uma educação pautada no altruísmo, que promova o ser além das fronteiras do próprio ego;
- proporcionar o desenvolvimento da consciência de espírito imortal que somos;
São objetivos desafiadores, o sabemos, e por isso mesmo devem ser encarados com responsabilidade. O grande problema é que, na maioria das vezes, os indivíduos não se preparam adequadamente para o mister, gerando conflitos que interferem negativamente na psicologia individual do ser, e consequentemente na sociedade.
No desenvolvimento da afetividade, o grande desafio da família é o aprendizado do amor. Deve iniciar-se antes mesmo da gestação, quando o casal é convidado a uma convivência amorosa entre si, respeitando as individualidades – exercício do amor próprio – e criando condições propícias para um lar acolhedor. Quanto mais o espírito que reencarna se sinta acolhido e respeitado, mais os laços de família se fortalecem. Notável a recomendação da educadora italiana Maria Montessori quando questionada sobre quando deveria iniciar a educação dos filhos, no que ela responde que deve iniciar-se quando os próprios pais se educam.
A construção da autonomia – a capacidade de autogerir-se – não pode deixar de ser vista pela família. O psicólogo James Hollis enfatiza a questão, dizendo que: “a tarefa psicológica mais importante do pai/mãe não é “facilitar” as coisas, mas preparar a passagem para a separação total, para aquele estado subsequente que chamamos de idade adulta.” Nesse aspecto, os pais devem aprender a dar responsabilidade aos seus filhos, o que não significa falta de amorosidade, pois não há gesto mais amoroso que preparar os filhos para os embates naturais da existência.
Sendo o egoísmo a principal chaga da humanidade, a família deverá estimular o altruísmo. Ao invés da vivência e das buscas de realização pautadas no ego, e que se traduzem normalmente no “ter, possuir, controlar etc.”, a educação familiar deve preparar a criança para “ser”; não para ser “alguém no mundo”, como convencionalmente se vê, mas ser alguém que possa auxiliar a transformação do mundo em que vivemos.
E talvez todas essas questões devam convergir para a tarefa mais sublime: auxiliar o ser no seu desenvolvimento espiritual. Não se trata do desenvolvimento dogmático da religião, simplesmente, mas da construção de um ambiente propício à religiosidade, onde o ser aprimora-se no vínculo consigo mesmo, com o seu próximo e com Deus. O exemplo dos pais passa a ser a estrada segura para os filhos trilharem, e a relação com Deus – a religiosidade interna dos participantes da família– possibilitará que ela cumpra os nobres ideais que lhe estão destinados. Desta forma, conclui Joanna de Ângelis, em sua obra Constelação Familiar:
“O ser humano é estruturalmente constituído para viver em família, a fim de desenvolver os sublimes conteúdos psíquicos que lhe jazem adormecidos, aguardando os estímulos da convivência no lar, para liberá-los e sublimar-se.”
1 Vide Q. 775 de O Livro dos Espíritos