"Eppur si muove" (ainda assim, ela se move) - Frase dita por Galileu após abjurar que o planeta Terra girava em torno do sol.
1 - Introdução:
O objetivo deste estudo é analisar o que chamamos de Movimento Espírita, no seu momento atual, em uma análise crítica dos fatos e das idéias, a luz do bom senso e da vontade de acertar.
2 - Movimento espírita - Origens e definições:
Movimento, segundo a concepção newtoniana, é tudo aquilo que não está em repouso (Velocidade nula) em relação a um dado referencial. Ouvimos falar de movimentos artísticos, movimentos populares, movimentos políticos. No contexto sociológico, movimentos sociais caracterizam articulações de grupos sociais em prol de um determinado objetivo, materializando-se em instituições, eventos, manifestações.Ou seja, quando um objetivo, uma ideologia parte para o reino da prática, se faz através de um movimento. No caso especial do espiritismo, a doutrina, corpo filosófico e científico de conhecimentos, se faz presente na prática através do MOVIMENTO ESPÍRITA. O movimento espírita é um ente concreto, prático, palpável. É a instrumentação que permite as pessoas vivenciarem a doutrina espírita. Lembramos o famoso exemplo que o movimento espírita é um automóvel que conduz a doutrina.
Apesar das instituições organizadas e formais (Federação, conselhos, casas espíritas e outras entidades), o movimento se faz do somatório de todas as ações humanas (Encarnadas e desencarnadas) sob a égide do conhecimento espírita. Desse modo, longe está de ser algo homogêneo, ou rígido ou mais, de responsabilidade de uma única pessoa. Em última análise, como componentes desse sistema inter-relacionado, nós temos co-responsabilidade orgânica com este movimento. É claro que para aquele que espiritismo é ficar em casa sentado lendo as obras espíritas, a sua interação neste processo é bem menor.
O movimento espírita iniciou-se junto com o conhecimento espírita. Este, codificado e organizado por Allan Kardec com a orientação dos espíritos superiores, teve logo suas conseqüências no mundo prático, demorada, bem verdade, tendo sido o assunto tratado pelo codificador em "Obras Póstumas " e "Viagem espírita de 1862". Relembrando a Dialética de Hegel, a relação de influência da doutrina no movimento também traz a doutrina uma influência do movimento. Nossas vivências na área mediúnica, nos trabalhos assistenciais, na exposição mediúnica produzem conhecimento incorporado ao conhecimento espírita. Cito o livro "Diálogo com as sombras " do nosso emérito confrade Hermínio de Miranda, onde as suas experiências na reunião mediúnica se incorporaram ao cabedal espírita, influenciando posteriormente a prática como um todo. Este belo movimento de interação da prática com a teoria, da doutrina com o movimento, em um balé dinâmico através da análise e da crítica que constitui a essência do movimento espírita, consubstanciado quando Kardec diz que "Se a ciência estiver correta, ficaremos com a ciência". Essa análise constante com relação à prática nos protege de atavismos e de dogmatismos. Doutrina libertadora, o espiritismo não se abstém dos métodos científicos para guardar o seu compromisso com a verdade.
Deste modo,segue a revelação espírita pelo nosso orbe. Evocando o título desta: "Ainda sim,ela se move", pois apesar dos óbices naturais de um movimento humano, ela segue pela lei de evolução se movendo e crescendo. Basta contabilizarmos os avanços em relação ao propósitos do Cristo nestes tempos, observando as mudanças que o mundo sofreu e deixando de lado saudosismos. Por outro lado, nos cabe analisar certos eventos, dentro da conjuntura, para que nesse movimento dialético, capitaneado pela vontade de acertar, se mova mais rápido.
3 - O sustentáculo em três pilares - O macro e o micro:
Assim como convencionamos dividir o espiritismo em três aspectos : Religioso, científico e filosófico, a prática espírita apresenta, no entender deste autor, três pilares que devem ocorrer simultaneamente e de forma equilibrada :
Pilar mediúnico: Seria a parte da prática voltada para questão da relação do ser com o mundo espiritual. Estaria presente na aplicação de passes e manifestações mediúnicas de toda forma.
Pilar Epistemológico: Seria aquele vinculado as atividades de estudo, divulgação e produção de conhecimento espírita. Seriam todas a s atividades doutrinárias (Leituras, palestras, estudos ) e aquelas voltadas para reporodução de conteúdo ( TV, teatro, música, revistas, jornais, evangelização).
Pilar assistencial: Seria aquele voltado para a prática do bem materialmente falando. A distribuição da sopa, a campanha do kilo, o orfanato espírita, a caravana fraterna.
Estes pilares, longe de serem isolados, constituem facetas que a prática do movimento apresenta, em nível macro e micro. Em nível micro, poderíamos dizer que um dia conhecemos o espiritismo e começamos a vivenciá-lo. E de modo geral, individualmente e por um conjunto de fatores internos e externos, nos identificamos e vivenciamos o espiritismo por um destes canais. Seria aquela pessoa espírita mais chegada as atividades de estudo, a oratória, as artes em geral, a produção de livros (Chamaremos de Espírita Epistemológico) ou aquele outro voltado para área mediúnica, médium ostensivo (Chamaremos de espírita mediúnico) ou aquele outro engajado em frentes assistenciais (Chamaremos de espírita caritativo). Em um nível macro, teríamos instituições que apresentariam esta faceta mais proeminente. É aquela casa espírita mais volta a prática mediúnica, as curas, as reuniões de desobsessão (Casa mediúnica), ou aquela outra voltada a grandes trabalhos assistenciais (Casa caritativa) ou então aquela que é um centro de estudos e reprodução e produção de conhecimento espírita ( Casa epistemológica).
Com certeza, sem citar nenhum nome, o prezado leitor conhece personalidades e instituições espíritas que se enquadrem neste nosso modelo, uns em maior ou menor grau de avanço em cada faceta. Toda classificação nos conduz a equívocos, é bem verdade, porém, de um modo geral as instituições e pessoas do movimento espírita oscilam entre esses três pilares. Mas, existe algum óbice nisso ? Assim como a doutrina espírita prega a harmonia do intelecto com a moral, o movimento espírita carece de harmonia em sua vivência, sem uniformização. Cada casa espírita e cada pessoa tenderá para um lado, de acordo com a necessidade e as características de cada núcleo. Porém, deve se guardar o equilíbrio não desprezando nenhum dos outros pilares em detrimento da maximização do outro, caindo em comportamentos desequilibrantes. Façamos uma análise tabulada destes extremos:
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Casa Espírita |
Indivíduo |
Caritativa em excesso |
Poderá se descaracterizar como instituição espírita e desprezando o estudo doutrinário e o contato com os espíritos amigos, pode ficar carente nas orientações a serem recebidas. |
Poderá se tornar uma pessoa envolvida no bem, mas ignorante do apoio do alto e dos objetivos maiores daquela tarefa, podendo se desanimar por falta de base teórica de suas ações |
Epistemológica em excesso |
Poderá tender a um formalismo e burocratização excessiva, valorizando muito o campo das idéias e esquecendo de atuar no mundo, junto ao próximo. Sem contato com a área mediúnica, tenderá a teorizar sem ter contato com experiência, podendo cair no ceticismo. |
Poderá se tornar uma pessoa extremamente fria e científica, presa a questões comezinhas e detalhes doutrinários, desprezando o que realmente é importante. |
Mediúnica em excesso |
Poderá tender a um misticismo exacerbado, pelo desprezo as questões do estudo e o afastamento da questão assistencial pode conduzir a prática mediúnica a existir por ela mesmo. |
Poderá se tornar uma pessoa muito confiante em suas faculdades e distante da aplicação disso no apoio ao irmão mais aflito. |
Não resta dúvida de que cada caso é um caso. Porém, no dimensionamento da nossa prática espírita, seja em relação a nós mesmos ou a frente de uma instituição, devemos preservar as nossas características, sem menosprezar os outros tripés que sustentarão nosso equilíbrio. A literatura espírita e os próprios exemplos que conhecemos são fartos em ilustrar o êxito de quem respeitou esse equilíbrio e as patologias de quem adentrou por um dos extremos.
4 - O Centro espírita - Célula deste movimento:
O centro espírita é a célula para onde convergem essas atividades do movimento, de forma integrada. Aliás, o centro espírita é a base de tudo. Nos primórdios o movimento surgiu dos centros espíritas e foi se agregando em torno das unificações. Isso explica o fato de hoje existirem conselhos, uniões, representações e não órgãos deliberativos de cima para baixo. Talvez este movimento representativo e não de unidade absoluta tenha sido o segredo de nossa coesão, pois a despeito das discordâncias normais de qualquer grupo, não contamos com dissidências, tampouco com dissidentes opositores mais expressivos. Aprendemos com isso a lidar com as diferenças e continuar caminhando. Casa espírita forte é movimento espírita forte e não liderança forte é igual a movimento espírita forte (Entenda-se forte no sentido de operoso e ativo). Nossa força na base nos dá um caminhar mais seguro e diminuem as chances de cairmos em erros antigos.
Mas, para ser uma célula integrada, o centro espírita tem de ser fazer presente. Muitos dirigentes de casas espíritas agem ainda como caracol: Carregam a casa nas costas e estão sempre se escondendo. O intercâmbio e a integração são fundamentais para o progresso coletivo e os órgãos de integração (Geralmente divididos por questões geográficas) promovem eventos que facilitam este processo. Órgão de integração (Uniões estaduais, conselhos regionais) tem que contar em seus quadros com representantes das suas casas espíritas. Com eles junto da coordenação, os eventos promovidos virão de encontro aos anseios coletivos. Certos trabalhos assistenciais tem melhor resultado com vários centros trabalhando juntos. A prática mediúnica pode ser intercambiada em um encontro de médiuns. O estudo pode ser feito em um ciclo de palestras em vários centros diferentes, sobre a mesma temática principal. O importante é haver o movimento de união das casas espíritas nos seus pontos em comum.
Como toda instituição, o centro espírita enfrenta um grande dilema nos dias de hoje: A sua administração.
5 - Administração do Centro espírita - A questão da importância de paradigmas:
Como uma instituição onde seus freqüentadores são todos voluntários (Ás vezes nos esquecemos deste detalhe), onde o objetivo primordial é a paz e a felicidade da criatura humana no seu sentido amplo através da vivência do evangelho de Jesus redivivo pela Doutrina Espírita, a casa espírita não é um clube cujo objetivo é o lazer. Lembrando a clássica definição, o centro espírita é um H.O.T.E.L.:
Hospital : Onde se tratam almas e corpos doentes;
Oficina: Onde se desenvolvem trabalhos de diversas matizes;
Templo: Onde se busca o contato com a divindade;
Escola: Onde aprendemos as lições do evangelho de Jesus e da Doutrina espírita;
Lar: Onde encontramos amigos que são como irmãos;
Ou seja, uma instituição com objetivos, origem e características próprias, que deve ter em sua administração um perfil próprio. Mas, vemos nas andanças por aí que tentamos copiar modelos de outras organizações para aplicar na Casa espírita, encomendando fórmula Pret-à-porter, oriunda não mais das vezes do nosso conflito com outros papéis que desempenhamos. O Militar quer administrar o centro como o quartel, o empresário importa as regras da sua empresa, o ex-católico importa os mecanismos eclesiásticos, valorizando cada qual coisas que são importantes para outros lugares e não necessariamente para a casa espírita e suas finalidades. Conflitos políticos, polarizações e palanques inflamados repetem as cenas de conflitos políticos dos partidos na tribuna espírita, como se o dirigente da casa tivesse um papel similar ao de um dirigente político. Se em determinada região os políticos perpetuam-se em condições coronolescas no poder, fenômeno semelhante se incorpora na casa espírita, com dirigentes eternos. O dirigente freqüenta determinada reunião e a administração da casa faz-se pela ótica daquele pilar (Mediúnico, epistemológico ou assistencial). Criam-se estruturas funcionais lineares e burocráticas onde quem decide não tem contato com as bases que executam. Problemas de ordem pessoal interferem na vida das pessoas do Centro.
Essa gama de ocorrências, que com certeza o leitor deve ter visto algumas amostras,não é privilégio nosso. Fazem parte de todas as instituições humanas como é o nosso movimento espírita. Somente pensa este autor que devemos questionar estes processos administrativos, para que separando o joio do trigo, não importemos "Pacotes fechados " de nossas experiências individuais ou de outros grupos para a casa espírita, evitando assim a burocracia de Centros-empresas, preocupados apenas com índices, produtividade e o aspecto objetivado (Material), Centros-messiânicos, onde impera o messianismo,a supervalorização de curas e espíritos opinam sobre a vida administrativa de forma ostensiva, centros-pessoas, onde a casa espírita gira em função de uma única pessoa, Centros-Franquia que exportam seus modelos para diversas filiais, Centros-caritativos, onde o aspecto assistencial suplanta o centro, descaracterizando-o, incorporando modelos de outras instituições assistenciais, esquecendo das verdades espíritas ou ainda cairmos no extremo do centro valorizar qualquer um dos pilares citados anteriormente, deixando cair no esquecimento os outros dois.
O centro, mola -promotora do movimento espírita, deve buscar nos colegiados uma administração menos concentrada, evitar crescer demasiadamente de modo que não se perca no seu próprio tamanho e busque manter aquele espírito da Casa do caminho citada nas obras espíritas como instrumento da ação dos apóstolos: Aconchegante, aberta a todos, voltada para o bem do semelhante e para o estudo contínuo, sintonizada sempre com o mais alto.
6 - Arte espírita - Divulgar e não segregar:
A arte é a interpretação da realidade. As manifestações artísticas impressionam os sentidos e tem seu sentido pessoal para cada um. Hoje o relativismo cultural que vivemos nos faz ver (finalmente) que o belo para um grupo não é o belo para o outro. O conceito de Arte espírita é motivo de controvérsias. Arte espírita sendo aquela MADE IN KARDEC, ou seja, produzida por espíritas, para espíritas, é um conceito segregador. Tememos, nessa linha de pensamento, que os espíritas somente possam ouvir músicas espíritas, canais de TV espíritas e peças teatrais espíritas,em situações que vemos acontecer, que redundam em questões de protecionismo comercial ou na cópia de modelos do "Mundo lá de fora", mudando apenas o rótulo para a denominação ideológica em pauta, na forma de melhor atrair mais adeptos. Leon Denis afirmava que o espiritismo não é a religião do futuro e sim o futuro das religiões. Ou seja, todos,dentro da sua ótica, aprenderão com as verdades espíritas. Seguindo bem essa linha de pensamento, as peças espíritas, baseadas em livros e na vida de efemérides espíritas, conquistam grande público não espírita e são apresentadas em circuito nacional, junto com outras peças não espíritas. Ou seja, os conteúdos do evangelho de Jesus devem ser por nós defendido, independente de sua fonte ou rótulo. Quem não é contra nós, é por nós -Afirmava Jesus- Nesta questão artística isso é fundamental. Quantas trabalhos artísticos (Pinturas, poesias,livros, músicas, peças), que não foram produzidas no seio do movimento espírita e traduzem sentimentos e conteúdos consonantes com os nossos? E quanta gente que se diz espírita, que produz coisas de pouca qualidade? "Em tudo tirai o que for bom", assevera o apóstolo dos gentios.
Isso não nos proíbe de produzir no movimento espírita nossas manifestações artísticas e emprestar a elas a alcunha "Espírita". Mas, sem esquecer que não temos uma vida ascética, que estamos no mundo e que temos que desenvolver o nosso discernimento para no mundo escolher o que é bom. Mais uma vez a questão de importação de modelos deve ser sempre observada. Principalmente no orgulho que a evidência dos meios artísticos pode trazer.
7 - Conclusão:
O desafio de conduzir o movimento espírita é nosso, dos espíritas. E ele será o que fizermos dele. O importante também é estarmos participando ativamente, na palestra, na sopa, na mesa mediúnica. Errar, é privilégio de quem trabalha. Ainda sim, com todos os atropelos, a doutrina espírita se move. Renovando, consolando, amparando e nos fazendo mais felizes.