Alguns estudiosos do comportamento humano afirmam que estamos vivendo um momento de efervescência, no qual a perda dos valores humanos, a ausência de interesse pelo meio ambiente e pela qualidade de vida apontam para a triste constatação de que o narcisismo é muito presente na sociedade moderna.
Na mitologia, Narciso foi aquele que, preso à própria imagem, morreu apaixonado por si mesmo. Esse mito abre espaço para o conceito de narcisismo1, que caracterizou em grande parte o comportamento da sociedade no século XX. O queMas, infelizmente, ainda constatamos é que a sociedade atual é ainda mais narcisista. Criamos uma cultura voltada para a imagem, e essa mesma cultura determinou o nosso comportamento.
E o que vemos? Cada vez mais as relações se tornamtornam-se virtuais e o capitalismo ganha espaço no comportamento, . o dia-a-diaO dia a dia agora é instantâneo e de baixa tolerância, se não de intolerância; nos tornamostornamo-nos, em grande parte, uma sociedade que não lida com frustrações, onde se quer tudo muito rápido e acessível. O resultado disso é o aumento assustador do número de pacientes nos consultórios psicoterapêuticos e psiquiátricos.
Nesse contexto o individualismo tem ganhado espaço exagerado, e o mundo dos ideais vem perdendo lugar, pois os indivíduos entram em uma condição narcisista e infantilizada perante as situações da vida.
Na pergunta 806 de O Livro dos Espíritos, Kardec questiona se a desigualdade das condições sociais é uma lei natural. E a resposta permanece atualíssima:
– “Não, ela é obra do homem e não de Deus”.
Essa atualidade da resposta é decorrente do comportamento que se adotou como padrão, e claro que não podemos nos isentar do nosso papel na sociedade, que ainda deixa a riqueza ocupar uma posição mais elevada do que a sabedoria, torna a notoriedade mais admirada do que a dignidade e o parecer ter mais importante que o respeito por si mesmo. Assim, Eestamos cada vez mais consumidos pelos produtos que consumimos, brigando contra a idade e lutando ferozmente pela fama, sem contar com os excessos nas redes sociais. Vivemos a era do individualismo, como se fosse essa a única maneira de se viver, esquecendo-nos de que na Grécia clássica, por exemplo, esse comportamento seria considerado psicótico.
Assim Outrossim, desenvolvemos cada vez mais um comportamento individualista e uma falta de investimento nos ideais e nas causas coletivas. “Numa sociedade organizada segundo a lei do Cristo, ninguém deve morrer de fome2”, não precisaríamos nem perguntar qual seria essa Lei, mas quando a valorização do eu vira a verdade da chamada cultura de massa: a palavra da moda é narcisismo – o amor a si mesmo sobre todas as coisas.
Quando uma sociedade passa a ressaltar e encorajar tendências narcísicas, ela passa a observar-se apenas no poço da sua própria imagem. A imagem projetada no mundo exterior só demonstra uma imensa pobreza na psique do indivíduo. O espelho que deveria refletir nossa alma não mostra nada além das buscas vazias...
A gravidade desse comportamento é que os indivíduos ficam impedidos de estabelecer relações profundas de afeto nos lugares em que se encontram. São superficialmente cooperativos, pois sabem como agir, seguem as regras do bom comportamento, mas não se envolvem profundamente nas relações, nem com o sofrimento do outro. Criamos uma sociedade de indivíduos isolados e profundamente solitários. A própria relação com a religião fica afetada, pois se elege-se alguém para ser uma fonte eterna de conselho moral e todas as decisões passam por essa via externa sem real moralidade transformadora do ser.
Precisamos despertar desse sono de muitos séculos e salvar nossos sentimentos, nossos relacionamentos, nosso planeta. Despertar nossa humanidade para a criação do mundo novo, encontrarmos um “sentido” e junto com Ele, o nosso modelo e guia, olharmos juntos, irmãs e irmãos que somos, para o espelho que refletirá a luz de um novo amanhã.
1 Termo usado por Freud em 1914 para explicar a fase narcísica no desenvolvimento do ser humano, onde faz a distinção entre “libido do ego” e “libido objetal”.
2 Resposta à pergunta 930 dada a Kardec no Livro dos Espíritos+.