O tema em análise, as relações entre os desencarnados, é muito interessante e pertinente, pois o aprimoramento do entendimento dessa questão conduzirá a uma melhor compreensão do nosso entendimento pessoal com relação ao processo evolutivo em si e o motivo pelo qual nos agrupamos, no processo reencarnatório, com aqueles que apresentam características comuns.
Nessa condição, estaremos mais aptos para a reforma íntima pela certeza de que os objetivos podem ser alcançados.
Visando estabelecer parâmetros de avaliação da organização social na condição de desencarnados, Kardec pergunta se há hierarquia, subordinação e autoridade. A resposta, contudo, é, se assim podemos dizer, inesperada, pois disseram que “os espíritos têm uns sobre os outros a autoridade correspondente ao grau de superioridade que hajam alcançado, autoridade que eles exercem por um ascendente moral irresistível” [1].
O termo “irresistível”, utilizado nessa resposta, demonstra que a hierarquia moral não pode ser desconsiderada e ignorada entre os desencarnados [2].
Para nós, encarnados, pode ser difícil de compreender o significado de uma autoridade moral irresistível, pois, em geral, a autoridade é decorrente da posição do indivíduo, seja social, profissional ou financeira. Além do mais, Jesus, o espírito mais evoluído que já esteve encarnado na Terra, foi tratado de forma bárbara. Todavia, não podemos deixar de mencionar que muitos reconheceram sua superioridade.
Na condição de espíritos compatíveis com um mundo de expiações e provas, desenvolvemos uma obliteração das percepções da própria essência espiritual, creditando importância unicamente ao que pode ser perceptível através dos sentidos físicos ou, de alguma forma, mensurável. Em decorrência, tendemos apenas à comparação entre pares, tendo isso como única e última realidade.
Devemos, contudo, considerar que as realidades são múltiplas.
Tomemos, como exemplo, uma ave que se posiciona na borda do parapeito de um prédio de vinte andares, o que deve corresponder à uma altura de sessenta metros. Nessa situação, a ave se mantém tranquila enquanto uma pessoa se sentiria temerária da queda e, muitos, nem se aproximam do parapeito.
Esses dois seres, a ave e a pessoa, vivem realidades diferentes. Para o primeiro, não há queda e vive livre em um mundo tridimensional; para o segundo, a queda significa vida ou morte e vive limitado à duas dimensões. Não há meios de comparar dois seres se eles vivem duas realidades diferentes.
Assim como não podemos analisar a realidade da ave segundo as limitações humanas, também não podemos interpretar as relações de além-túmulo segundo as limitações de encarnados.
A construção psíquica da realidade do encarnado é diferente daquela do desencarnado. Esse ponto é crucial para a interpretação da necessidade da encarnação, o livre-arbítrio e o auxílio vertido pelo Alto. Tentaremos, agora, analisar estas questões segundo a ótica apresentada anteriormente.
Sabemos que o espírito “pode melhorar-se muito, tais sejam a vontade e o desejo que tenha de consegui-lo. Todavia, na existência corporal é que põe em prática as ideias que adquiriu”[3]. Sabemos, além disso, que o estado espiritual é o estado normal do espírito; é nesse estado que o espírito colhe os frutos do progresso realizado pelo trabalho da encarnação e decide o que pôr em prática na reencarnação seguinte [4]. Sobretudo, o espírito progride na erraticidade, onde adquire conhecimentos especiais que não poderia obter na Terra, os quais modificam a sua forma de pensar [4].
É na erraticidade que o espírito sofre a influência moral daqueles que lhe são superiores de forma irresistível; essa influência promove alterações no seu psiquismo de forma mais intensa. Todavia, essa ação, por ser irresistível, inibe, por assim dizer, o livre-arbítrio. Para que seu livre-arbítrio seja respeitado, é necessário que o espírito se encontre fora desta influência para que, por opção, decida por incorporar o que aprendeu em seu comportamento, isto é, promova o reajustamento psíquico para corresponder ao que lhe cabe na grande obra da Criação, deixando, dessa forma, de ser apenas um espírito rebelde às Leis. Assim, a encarnação é a condição em que o ascendente moral irresistível dos que nos são superiores é inibido, a tal ponto de a superioridade moral de Jesus não ter sido percebida por todos.
Todavia, isso não significa um abandono dos espíritos superiores, mas a influência deixa de ser irresistível para se transmutar em sugestões, para que sejamos responsáveis pelos nossos atos e, também, para que o reajustamento mental possa se fortalecer e se tornar permanente. O amparo do Alto sempre se faz presente, mas na medida certa das nossas necessidades.
Entre os espíritos elevados, na condição em que a encarnação não é mais necessária, a hierarquia se mantém, contudo, o mal não mais impera e não mais importa, isto é, não há mais distinção entre ascendente moral irresistível e sugestão para o bem, pois os bons não mais se ocupam com o mal e buscam, naturalmente, seguir as orientações que conduzem ao seu aprimoramento.
Notas bibliográficas:
1. Allan Kardec. O Livro dos Espíritos, questão 274.
2. Ibidem. questão 274 a.
3. Ibidem. questão 230.
4. ___. O Céu e o Inferno, Parte I, Cap. III, item 10.