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Artigo do Jornal: Jornal Abril 2019

Sobre o autor

Cláudio Conti

Cláudio Conti

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       O Ministério Público de Goiânia investiga o caso de abuso sexual por parte de um médium envolvido com tratamentos e curas espirituais. Segundo informação disponibilizada pela imprensa, centenas de mulheres relataram abusos do médium [1].

       Entidades espíritas se manifestaram no sentido de esclarecer que o dito médium, devido às práticas que adotava em sua tarefa mediúnica, não estava ligado ao Espiritismo. Contudo, em nossa opinião, esta é uma explicação superficial e limitada por não trazer à luz o motivo pelo qual estamos sujeitos a ser vítimas de abusos dos mais diversos, não apenas o sexual. É necessário o aprofundamento para que tal ocorrência possa ser compreendida e, assim, seja possível esclarecer, não apenas os espíritas, mas a população em geral para que, independente da vertente religiosa/filosófica, indivíduos de índole questionável não consigam subjugar pessoas ao ponto de as tornar vítimas de seus desvirtuamentos morais. Além do mais, não podemos, nem devemos, considerar que o movimento espírita esteja livre de situações como esta.

       Este esclarecimento se faz premente pelo motivo de que o caso do médium de Abadiânia, cidade do estado de Goiás, não é único. Recentemente, foi divulgado na mídia o caso de abusos em uma ordem religiosa na França. As freiras eram feitas de escravas sexuais. Segundo uma repórter, "suicídios, abusos físicos e mentais, antidepressivos e anorexia faziam parte do cotidiano de uma ordem religiosa onde freiras foram transformadas em 'escravas sexuais' por padres da congregação”[2]. Estas situações se repetem.

       Em se tratando de umas poucas vítimas, seria possível encontrar uma explicação qualquer, verdadeira ou não. Entretanto, como estes casos podem chegar à centenas ou milhares, devemos considerar a existência de um fator psicológico presente na humanidade que, de algum forma, em situações específicas, inibe a oposição das vítimas aos seus algozes.

       Diante dos eventos ocorridos durante a Segunda Grande Guerra, mais especificamente com o Nazismo, muitos se detiveram a entender o motivo pelo qual este tomou tamanhas proporções. Dentre eles, importa ressaltar Stanley Milgram, psicólogo norte-americano, que desenvolveu uma pesquisa muito interessante no início da década de 60, a qual visava o estudo sobre obediência à autoridade.

       A obediência à autoridade é necessária como base para uma convivência em sociedade, contudo, pode se tornar destrutiva quando a “autoridade" apresenta desvios de caráter e/ou o sujeito que obedece não possui valores morais sólidos.

       Milgram diz que “as  pessoas  comuns,  simplesmente  cumprindo  seus  deveres,  e sem qualquer hostilidade especial, podem se tomar agentes de um terrível processo destrutivo. E mais ainda, mesmo quando os efeitos destrutivos do seu trabalho ficam bem claros, e pede-se a essas pessoas para realizarem coisas incompatíveis com os padrões fundamentais de moralidade, relativamente poucas pessoas têm condições de resistir à autoridade. Uma variedade de inibições para desobedecer à autoridade vem à tona e consegue que a pessoa continue em sua função”[3].

       Precisamos estar atentos, pois muitos se consideram imunes à atitudes destrutivas para com outras pessoas e, em seus estudos, Milgram observou que a grande maioria realmente se considera imune e, inclusive, acreditavam que não haveria muitas pessoas dispostas a tais atitudes. Contudo, a pesquisa envolvendo pessoas comuns da sociedade demonstrou o oposto. Em um experimento, trinta e sete de quarenta adultos aplicaram, em outra pessoa, o choque mais forte do gerador, sem saberem que se tratava de um ator e de um gerador falso [3].

       Experimentos semelhantes foram realizados em várias oportunidades, com o mesmo  resultado: sob o comando de uma “autoridade" o ser humano é capaz de obedecer, mesmo questionando-se  e, inclusive, causando danos à outrem.

       Mais recentemente, em 2010, um “reality show” - uma reprodução do experimento de Milgram - da televisão francesa, intitulado O Jogo da Morte, utilizou de tortura para demonstrar o poder (autoridade) da televisão enquanto instituição, expondo os perigos da “autoridade”. Neste jogo, os participantes punem com descargas elétricas aqueles que não respondem corretamente às perguntas, apesar de ouvirem os gritos da “vítima”, no caso, um ator. Neste evento, oito em cada dez participantes cumprem até o fim as ordens da apresentadora e chegaram a dar descargas elétricas de até 460 volts [4].

       Esta questão da obediência cega conduziu à seguinte frase de Charles Percy Snow, romancista e físico-químico inglês: "Quando você pensa na longa e sombria história do homem, você descobrirá que crimes mais hediondos foram cometidos em nome da obediência do que jamais cometidos em nome da rebelião”[5].

       Podemos remontar ao Velho Testamento a imposição cega à “autoridade”, na passagem em que, supostamente, Deus ordena Abraão matar seu filho. Abraão obedecia o comando, executando conscientemente uma série de etapas até que um anjo o faz parar antes de consumar o fato. Nesta passagem, a atitude de Abraão é tida como fé, contudo, como visto, é apenas a capacidade humana de causar danos à outrem quando sob comando.

       Jesus veio combater este tipo de reação e, em muitos dos seus ensinamentos, apresenta a figura da autoridade como equivocada, ressaltando a necessidade da ponderação diante das situações. O Espiritismo, por sua vez, em seus ensinamentos mais básicos, ressalta a necessidade da fé raciocinada.

       Em suma, a libertação da consciência se trata de, independentemente de qualquer coisa, ponderar antes de agir.

Notas bibliográficas:

1. G1 - www.globo.com; https://g1.globo.com/go/goias/noticia/2018/12/17/forcas-tarefas-somam-mais-de-400-denuncias-contra-joao-de-deus-preveem-novo-depoimento-e-tambem-vao-apurar-lavagem-de-dinheiro.ghtml

2. BBC Brasil; https://www.bbc.com/portuguese/internacional-47152183

3. Stanley Milgram; Obediência à Autoridade.

4. G1 - www.globo.com; http://g1.globo.com/Noticias/Mundo/0,,MUL1534639-5602,00-DOCUMENTARIO+FRANCES+MESCLA+TORTURA+E+REALITYSHOW+PARA+MOSTRAR+PODER+DA+TV.html

5. Charles Percy Snow; Either-or, The Progressive (1961).

6. Velho Testamento, Gênesis 22.

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