A condição em que o espírito se encontra após a desencarnação é, muitas vezes, de difícil entendimento para os encarnados em um mundo de expiações e provas. A origem das dificuldades de compreensão daquilo que esteja além da matéria é inerente à sua própria condição, isto é, reside no fato da mente estar, invariavelmente, alinhada com a própria matéria e os sentidos físicos. Em outras palavras, o espírito encarnado tende a entender somente aquilo que é percebido pelos sentidos físicos.
Desta forma, é preciso esforço mental e meditação sobre os temas que transcendem à limitação da sua condição. Visando auxiliar neste processo, a Doutrina Espírita fornece informação fundamental e básica sobre as questões relacionadas com o ser espiritual que habita o corpo de expressão.
Allan Kardec questionou os espíritos responsáveis pela Codificação sobre a percepção do ser desencarnado, se conserva as percepções que tinha quando na Terra. A resposta é de que, além daquelas que possuía enquanto encarnado, em decorrência de se liberar da matéria densa, outras se tornam disponíveis [1].
Esta resposta, contudo, se analisada isoladamente, pode conduzir a conclusões equivocadas, pois, pode ser interpretada como tendo, o espírito desencarnado, muito mais ampla percepção da realidade. Todavia, Kardec segue o seu questionamento no intuito de aprimorar a informação disponível, e pergunta se esta percepção e o conhecimento são ilimitados, isto é, se sabem tudo. A resposta não poderia ser mais esclarecedora, pois afirmam que “Quanto mais se aproximam da perfeição, tanto mais sabem. Se são espíritos superiores, sabem muito. Os espíritos inferiores são mais ou menos ignorantes acerca de tudo”[2].
O nível de conhecimento está atrelado à condição evolutiva; a percepção da realidade, por sua vez, está atrelada ao conhecimento. Portanto, os espírito inferiores apresentam acanhada percepção da realidade em sua essência mais pura e, com isso, vivem a “realidade” que criam para si mesmos.
Têm-se, muitas vezes, a equivocada noção de que a realidade é aquilo que é vivenciado em decorrência do que é percebido pelos sentidos físicos. Todavia, isso não passa de uma ilusão, pois, a vivência está relacionada com a interpretação daquilo que é percebido pelos sentidos. Com o aprimoramento do conhecimento, aumenta a capacidade de interpretação e, cada vez mais, se aproxima da realidade.
Carl G. Jung, o eminente estudioso do psiquismo humano esclarece que “…há aspectos inconscientes da nossa percepção da realidade. O primeiro deles é o fato de que, mesmo quando os nossos sentidos reagem à fenômenos reais e às sensações visuais e auditivas, tudo isso, de certo modo, é transposto da esfera da realidade para a da mente. Dentro da mente esses fenômenos tornam-se acontecimentos psíquicos cuja natureza radical nos é desconhecida”[3].
O cérebro, órgão responsável pelo processamento de informação em um organismo vivo, nunca esteve em contato direto com a luz, por exemplo. Outro ponto interessante é apresentado pelo físico Erwin Schrödinger: “A sensação de cor não pode ser explicado pelo quadro objetivo que o físico faz das ondas luminosas. Não há processo nervoso cuja descrição objetiva inclua a característica ‘cor amarela’ ou ‘sabor doce’, da mesma forma que não há descrição objetiva de uma onda eletromagnética que inclua qualquer dessas características"[4].
A informação pertinente à luz ou ao som, chega ao cérebro como pulsos elétricos, através de um complexo processamento. Em outras palavras, ambas formas de transmissão de energia, luz e som, são percebidas pelos sentidos físicos da visão e da audição através da interação com células especializadas, sensíveis à captação de energia desta ou daquela forma. Neste processo, pulsos elétricos que carreiam a informação, são transmitidos através dos nervos até a central de processamento, o cérebro, que, por sua vez, constrói uma “realidade” compatível com a informação que recebeu.
Carl G. Jung expressa o sentimento comum com relação a percepção dizendo o seguinte: “Parece que o consciente flui em torrentes para dentro de nós, vindo de fora sob a forma de percepções sensoriais. Nós vemos, ouvimos, apalpamos e cheiramos o mundo, e assim temos consciência do mundo. Estas percepções sensoriais nos dizem que algo existe fora de nós. Mas elas
não nos dizem o que isto seja em si. Isto é tarefa, não do processo de percepção, mas do processo de apercepção"[5].
Em resumo, pode-se dizer que a percepção é mais fisiológica enquanto que a apercepção é mais psíquica com certo grau de complexidade, sendo composta por diversos processos psíquicos, que são: de reconhecimento; de avaliação; intuitivo; volitivos e; instintivos [6].
Note-se que, neste processo, poderá haver falhas na formação dos pulsos compatíveis com a informação, falhas durante o percurso destes pulsos e, por último, na própria interpretação.
Assim, considerando um processo de transmissão de informação entre o órgão responsável por determinado sentido, tal como o olho para a luz, e o cérebro, a qualidade da interpretação estará diretamente relacionada apenas com o conhecimento, tanto geral quanto de si mesmo.
O processo de interpretação está associado, no caso da visão, com o acervo do espírito. Em um exemplo simples, podemos supor que um indivíduo esteja vendo uma casa, a imagem que chega ao cérebro é comparada com o acervo e, ao encontrar uma imagem conceito, há a identificação de se tratar de uma casa. Todavia, ao encontrar um imagem igual, há a identificação da casa, tal como a própria ou de algum parente ou amigo.
A realidade, contudo, é muito mais do que apenas identificação de padrões, pois requer a interpretação de eventos isolados ou de uma sequência de eventos, demandando a elaboração de raciocínio lógico e de pensamento abstrato. Podemos verificar, desta forma, que o conhecimento é muito mais do que acervo de informação e inclui a interpretação.
Notas bibliográficas:
1. Allan Kardec. O Livro dos Espíritos, questão 237.
2. Ibid., questão 238.
3. Carl G. Jung. O Homem e seus Símbolos, pág. 21.
4. Erwin Schrödinger. Mente e Matéria pág. 166.
5. Carl G. Jung. A Natureza da Psique, pág. 78.
6. Ibid. pág. 75.