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Artigo do Jornal: Jornal Dezembro 2018

Sobre o autor

Cláudio Sinoti

Cláudio Sinoti

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Nos últimos tempos, especialmente após o amplo acesso aos meios de comunicação, através das redes sociais, temos visto crescer assustadoramente as manifestações de preconceito: de cor, gênero, religião, orientação sexual, naturalidade etc. E pela intensidade que apresentam, demonstram que há uma grave questão a ser cuidada por todos nós, porquanto quando a sombra coletiva se espalha ameaçadora, é porque antes disso encontrou guarida em nossa psique individual.

Por isso mesmo nós, indivíduos participantes e formadores de um coletivo sombrio, precisamos ter a coragem de nos perguntar:

- Onde o preconceito tem guarida em mim?  Em que parte do meu ser me acredito superior ao outro? O que alimenta esse comportamento?

Como o próprio nome esclarece, o preconceito é um conceito antecipado de algo, e que na maioria das vezes não passa pelo crivo da razão, construído através de uma ótica limitada, distorcida e que nos leva a conclusões apressadas e equivocadas sobre o outro. Não podemos nos esquecer que todo nosso desenvolvimento histórico e educacional foi construído sobre bases que negligenciaram aspectos importantes para a formação de uma personalidade saudável.

Se tomarmos, por exemplo, a escravidão de povos, questão que afeta a quase totalidade das nações, em algum momento se justificou o crime de tirar a liberdade de algumas etnias, e submetê-las a tratamentos desumanos, colocando-as na condição de serviçais, para que fizessem o trabalho para o qual os “superiores” não se consideravam destinados. Em nosso país, quantos negros e índios não foram submetidos a essa desumanidade, isso sem falar dos que foram dizimados? A partir dessa distorção, muitos de nós crescemos acreditando que era normal ter alguém a nos servir, a satisfazer nossos caprichos e realizar por nós a tarefa que nos cabia.

Associado a isso, um outro tipo de preconceito foi gerado, pois as crenças e elementos culturais desses povos passaram a ser ridicularizados e colocados em segundo plano. Perdeu-se a possibilidade de um aprendizado importante, que contém respostas profundas sobre questões existenciais de alta relevância. O quanto poderíamos ter aprendido com os primeiros nativos deste solo brasileiro, por exemplo, sobre o respeito à Mãe Terra e seus ciclos, além dos potenciais de cura para tantos males que nos afetam?   E as riquezas culturais e religiosas das tradições africanas, cujos elementos e deuses nos apresentam de uma forma tão rica as relações humanas e as forças vivas da Natureza? O preconceito nos afastou e afasta desses elementos, alimentando o orgulho daqueles que se acreditam melhores, que em verdade são escravos de sua inferioridade moral.

Historicamente, há uma outra dimensão que não pode ser esquecida. Até poucas décadas, o que infelizmente persiste em algumas culturas e tradições, a mulher era considerada um ser inferior. Isso foi, de certa forma, alimentado pelo mito bíblico de Adão e Eva, que terminou por colocar na mulher a culpa da “expulsão do paraíso”. O predomínio do “masculino” alimentou uma cultura de guerra, de divisão, de competição e da força, em detrimento da sensibilidade, da beleza, da religiosidade e da harmonia. Com raras exceções, isso dificultou o acesso ao lado feminino do ser, essencial para o ser humano tornar-se pleno. E como a alma pode se manifestar de maneira completa quando o essencial lhe é negado?

Do preconceito de gênero, depreende-se uma outra grave questão: a marginalização daqueles cujas demonstrações de afetividade e sexualidade não correspondem ao esperado pelo coletivo. Esquecemos que não nos cabe julgar o outro, e que o essencial não é a forma como o outro manifesta o seu afeto e libido, mas o quanto pode construir relações pautadas no amor e no respeito ao seu próximo, mandamento principal dos cristãos.

Quando aprofundamos as raízes dos preconceitos, encontramos o orgulho e o egoísmo como base desse comportamento sombrio. O orgulho faz manter a ilusão de superioridade, levando o indivíduo a minimizar o mal que causa aos outros, porquanto na cegueira que se torna refém, acredita que o outro deve servi-lo. O egoísmo, a mais grave chaga moral, faz acreditar que o mundo deve girar ao redor do ego, mesmo que para isso deva submeter os outros aos seus caprichos. Fora isso, o desconhecimento de si mesmo leva o ser a projetar em outro a sombra pessoal, o que ganha intensidade nas questões coletivas. Não desejando conhecer sua sombra, o ego imaturo tem certo alívio ilusório ao transferir para o outro suas questões pessoais. Os nazistas projetaram nos judeus e desvalidos sua densa sombra; homofóbicos, sem entenderem suas graves questões morais, projetam nos homossexuais a própria imoralidade, e assim sucessivamente...

Muitos outros aspectos alimentam os preconceitos, cabendo a cada indivíduo reconhecer e se esforçar por se libertar dessas graves questões que limitam o nosso desenvolvimento.

Jesus não passou despercebido por essas questões:  foi ao encontro daquelas consideradas pela coletividade como “prostitutas”, “adúlteras” ou “mulheres de má vida”, acolhendo-as com sua amorosidade e reerguendo-as na condição de filhas de Deus, para que seguissem o curso do seu aprimoramento. Escolheu uma delas, Maria de Magdala, para anunciar que a vida prosseguia após a morte física, dando mostras da sua importância no colegiado apostólico.  Escolheu como símbolo, em uma das suas belas parábolas, um Samaritano, rejeitado, considerado impuro e odiado pelos judeus, para demonstrar que o mais importante era a capacidade amorosa do ser, e não o posto religioso, político ou social no qual se encontrava.

Quando tivermos desenvolvido a capacidade de perceber o nosso deus interior, chegaremos à conclusão de que o outro, por mais diferente que possa parecer, também é essência divina, e quem sabe as tristes páginas do preconceito serão apenas uma lembrança amarga do passado, quando estávamos presos em nossa inferioridade moral.

Enquanto isso não ocorre, é importante tentar entender: onde mora o seu preconceito?

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