As estatísticas da depressão e do suicídio, ampliadas pelas novidades destrutivas que ganham corpo nas redes sociais, preocupam os estudiosos do comportamento humano, que tentam encontrar respostas para frear esse impulso destrutivo que se apresenta de forma tão assustadora. E diante de tantas notícias negativas que têm sido veiculadas, atingindo nossos jovens e crianças, o que agrava ainda mais o triste quadro da atualidade, somos convidados a repensar o verdadeiro sentido das nossas existências.
O que realmente faz a vida valer a pena? Quais são ou devem ser as nossas verdadeiras motivações na vida? Qual sentido temos dado às nossas vidas?
São questões importantes a nos fazermos, para que possamos refletir sobre o que estamos deixando de lado enquanto indivíduos e coletividade, e ao mesmo tempo voltarmos nossa atenção para construção de novos paradigmas, que possibilitem que os aspectos essenciais da existência não sejam negligenciados como vêm sendo.
Sigmund Freud, em seus estudos psicanalíticos, já havia alertado sobre o que chamou de Pulsão de Morte, como sendo aquela que leva o indivíduo a ter um comportamento autodestrutivo. Essa pulsão foi associada a um personagem da mitologia grega, Tânatos, cuja raiz etimológica provém de dissipar-se, extinguir-se. 1
O sentido de morte que essa personagem trazia para os gregos era mais próximo ao “ocultar-se” do que propriamente deixar de existir. E não é exatamente isso que verificamos nas vidas sem sentido? Muitas vidas tornam-se tão vazias, tão sem sentido e brilho, que parecem extinguir-se antes do fenômeno biológico da morte. Matar a si mesmo vira apenas consequência de quem não vê na vida sentido algum.
Carl Gustav Jung aprofundou o olhar sob os aspectos destrutivos da personalidade, chamando a atenção ao que ele denominou o arquétipo da Sombra. De acordo com Jung, tudo aquilo não desenvolvemos na personalidade, todos os aspectos que por um motivo outro resolvemos excluir do campo da percepção consciente, transformam-se em sombra, muitas vezes perturbadora e de caráter destrutivo. Isso ocorre porquanto essa parte excluída da vida não deixa de existir, e até que tenhamos a maturidade suficiente para transformar essa parte da personalidade ela nos cobrará.
Quando fugimos da busca do significado existencial a cobrança torna-se ainda maior, porquanto ao viver vidas vazias, deixamos na sombra as principais potencialidades humanas. Maslow, pioneiro da Psicologia Humanista, aprofunda essa perspectiva, estabelecendo que quando fugimos da nossa essência, o self, adoecemos e morremos.
A questão não passou despercebida por Allan Kardec, antes mesmo que a Psicologia se estabelecesse como ciência. Em resposta aos seus questionamentos, os Espíritos alertaram que enquanto a natureza animal tivesse predominância sobre a espiritual, o resultado seriam guerras, violência e destruição nos seus mais terríveis aspectos. O trabalho do indivíduo, para não se entregar a esse processo, sintetiza-se no conhecimento e transformação das inclinações más.
Seja de ordem psicológica ou espiritual, o grande problema é que essa doença da alma espalhou-se por toda sociedade, tornando a vida coletiva tão “tóxica”, tão carente de valores, que os que têm o ego mais fragilizado, especialmente crianças e jovens, tornam-se as maiores vítimas. Mas todos somos vítimas – no sentido de sofrermos os efeitos dessa crise – e algozes – porque cada um tem sua parcela de responsabilidade – nesse triste quadro que se estabelece.
Mas assim como somos responsáveis pela destrutividade que se encontra ao nosso lado, podemos reverter esse quadro perverso, mudando o rumo das nossas vidas, da nossa forma de pensar e agir no mundo.
Se é verdade que existe uma pulsão de morte, representada por Tânatos, existe também a pulsão de vida, representada por Eros. Eros é o deus do amor na mitologia grega. Representa não somente a libido sexual estabelecida pela psicanálise, mas a própria conexão com a vida. Movidos por Eros, no sentido mais amplo, restabeleceremos o autocuidado e o cuidado com o próximo, importando-se com nossa existência e não esquecendo dos valores principais a serem desenvolvidos. Esse vínculo pode e deve começar na família, estreitando os laços de convivência e afetividade, deixados de lado enquanto buscamos “ter sucesso” na vida. Mas como ter sucesso se o principal fica negligenciado?
Se a Sombra pode tornar-se destrutiva, nela também se encontram valores nobres, que podemos resgatar para aprofundar o processo de individuação, a jornada que nos faz realizar a própria essência, trazendo à consciência os valores adormecidos. O próprio Jesus estabeleceu que não deveríamos colocar a candeia debaixo do alqueire, mas sob o velador, para que todos a vissem. Os valores nobres da vida, colocados a serviço da individuação, propiciarão a nossa transformação. O respeito, a dignidade, a honradez, a ética etc. deverão ser não apenas cobranças que fazemos da coletividade, mas atitudes que se iniciam em nosso comportamento.
E se a natureza animal ainda tem predominância é o momento de nos espiritualizarmos. Não somente frequentar templos religiosos, mas nos transformarmos naqueles que vivem os princípios que abraçam. Acreditar na vida, ter e semear esperança, ter uma postura otimista e de bom ânimo.
A vida é um patrimônio por demais valioso para ser desperdiçado, e todo esforço que fizermos virá multiplicado, porquanto um indivíduo que se aprimora “contagia” todos os que estão ao seu redor, e assim sucessivamente. E se nossas atitudes não surtirem efeito imediato, estaremos plantando sementes para um futuro não muito distante, quando o ser consciente dará o devido valor à vida e ao viver. Afinal, como já dizia Jung, o homem não pode viver uma vida sem significado. Há muitas razões para se viver, e se muitos ainda não as encontram, é porque buscam longe de si aquilo que habita o interior de cada ser.
1 BRANDÃO, Junito. Mitologia Grega, vol. I. Vozes.