
É comum observar a queixa transformar-se em padrão de comportamento, e muitas vezes, sem dar-se conta, o indivíduo passa a reclamar de tudo e de todos: da sorte, dos relacionamentos, do destino, do emprego... enfim, de uma lista intérmina de tópicos, os mais variados possíveis. E dentre os pontos de insatisfação, a família costuma ocupar lugar de destaque nas reclamações.
Há algum tempo foi veiculado um comercial de TV no qual um jovem buscava um consultório psicanalítico. Um homem, caracterizado de Sigmund Freud, abria a porta e sem nada perguntar dizia ao jovem: “a culpa é dos seus pais”. E logo após, fechava a porta do consultório, deixando o candidato a paciente do lado de fora, atônito...
Certamente tratava-se de uma ironia, mas que de alguma forma traduz a crença de muitas pessoas, de que as dificuldades que enfrentam são resultado da história familiar. Não negamos a existência de vivências difíceis nesse sentido, que se traduziram em abandono, violência, negligência e relacionamentos conflituosos, o que certamente costuma deixar marcas no comportamento. Mas cientes da realidade espiritual, não podemos nos colocar na condição de vítimas da vida, mesmo que tenhamos passado por situações que poderiam ter sido evitadas, fosse outro o nível de consciência dos participantes. Isso tudo porque o Espírito constrói a própria jornada rumo à plenitude, e muitas vezes necessita retornar ao convívio próximo com aqueles com os quais desarmonizou-se no passado, o que se constitui em processo educativo quando bem aproveitado. O que ocorre é que nem sempre essas oportunidades são bem conduzidas, deixando novas marcas naqueles que delas participam, e aguardando oportunidades futuras para o reajuste necessário.
Jean Paul Sartre, o célebre filósofo existencialista francês, escreveu oportunamente: “Não somos aquilo que fizeram de nós, mas o que fazemos com o que fizeram de nós”. Essa bela inspiração deve servir de modelo para que possamos nos transformar, assumindo “o que fizeram de nós”, ou conosco, como parte do aprendizado da vida, que às vezes nos coloca situações difíceis pela frente não como punição, mas para proporcionar o despertar da força heroica em nós, aquela capaz de nos impulsionar nos momentos mais desafiadores e conduzir a atitudes que sequer imaginávamos ser capazes.
E para seguir no rumo da conquista de si mesmo, atitude essencial é assumir a responsabilidade pela própria transformação. Se não podemos modificar a nossa história em sua concepção objetiva, nem mesmo os fatos que ocorreram conosco, sempre podemos mudar a forma como os vemos, “e fazer um novo começo...”, como já propunha Chico Xavier.
Assumindo a responsabilidade pela nossa jornada, nos cumpre investir tempo e energia nos processos que nos conduzirão à pessoa que queremos ser. Certamente não existe passe de mágica ou receita pronta para chegar nessa condição, mesmo porque muitos dos fatores não estão sob o nosso controle. Mesmo assim, algumas atitudes costumam favorecer a jornada de transformação:
- Reservar um momento diário, regular, para estar em contato consigo. Neste mundo de tantas conexões e distrações, precisamos nos centrar, já que as respostas vêm de dentro. O problema, na maioria das vezes, não é a falta de respostas, é a falta de dedicação de tempo em ouvir a si mesmo para escutá-las;
- Manter disciplina naquilo que necessitamos modificar em nossas vidas. A disciplina não é rigidez, porquanto flexibilidade é importante em muitos aspectos, mas é a constância da dedicação, a regularidade com que promovemos a jornada da nossa transformação;
- Modificar a nossa forma de pensar, mantendo sempre o otimismo. Nosso pensamento constrói a realidade ao nosso redor, já nos ensinava Buda, e por isso mesmo a força do pensamento deve sempre atuar de forma favorável aos propósitos que abraçamos, pois se procedemos de forma contrária, pessimista, nós mesmos já boicotamos a transformação que dizemos desejar;
- Entregar a Deus o resultado das nossas ações. A vida traz de volta o que semeamos em seu terreno, mas nem sempre da forma ou no tempo que desejaríamos. Existem muitos fatores que não estão no nosso campo de observação, muito limitado pela percepção egoica. Por isso mesmo, a entrega é parte da fé. Fazer a nossa parte e “entregar”, no sentido de vincular-se à força superior da vida, pois as divinas leis jamais falham.
Assim procedendo, a queixa não terá mais espaço em nosso comportamento, e assumindo a responsabilidade pelos nossos passos, conseguiremos fazer “daquilo que fizeram conosco” a ponte para a própria transformação.