
O artigo intitulado Origem dos Espíritos, publicado no Jornal Correio Espírita em outubro de 2015, terminou com a seguinte frase: "Deus, pela sua vontade, é capaz de criar e obras que transcendem ao tempo, espíritos imortais, seus filhos, obviamente que, a forma como os cria, ainda permanece um mistério”. Sob este contexto, podemos nos questionar o motivo pelo qual é um mistério.
Muitos podem dizer que não temos condições de compreender, outros que não temos palavras no nosso vocabulário para descrever as “coisas" de Deus, outros, ainda, podem considerar um sacrilégio adentrar, mesmo que superficialmente, nos desígnios do Criador. Contudo, seguindo a premissa básica do Espiritismo: amai-vos e instrui-vos, podemos elaborar algumas considerações sobre o tema para que, num futuro próximo ou distante, não importa, estarmos em condições de compreender um pouco mais sobre a obra da Criação.
A falta de palavras, por si só, não deveria ser motivo para não termos uma explicação a respeito de qualquer tema, pois conceitos são descritos por um conjunto amplo de palavras e não por uma ou poucas. Poucas palavras são utilizadas em definições, que são restritivas, não havendo, necessariamente, limitações no número de palavras para explicações.
Tampouco podemos considerar um sacrilégio, pois, para o espírita não deveria haver coisas sagradas, místicas ou defesas ao questionamento.
Das opções apresentadas acima, só nos resta a possibilidade de não estarmos em condições de compreender. Entretanto, a falta de condições para compreender algo está relacionada com a ausência de conhecimento básico ou paradigma inadequado para o entendimento do tema.
O paradigma solidamente estabelecido na humanidade é aquele que rege todos os pensamentos elaborados, possíveis e imagináveis, para a vida cotidiana, aquele que rege nossas decisões, idas e vindas: a concretude do tempo e o espaço.
Tanto o tempo quanto o espaço estão relacionados com o nosso universo conhecido que, muitas vezes, no meio religioso, é considerado como uma “Criação de Deus”, como se encontra no livro Genesis do Velho Testamento, em que relata o processo de criação com comandos verbais da própria divindade. Esta premissa conduz ao raciocínio de que tudo que é observado estaria relacionado com o processo da Criação; premissa errônea que gera tantas outras premissas igualmente equivocadas.
A partir da teoria dos fluidos como bem apresentado pelo Espiritismo, na qual prega a existência de um componente elementar: o fluido universal, e que este, por sua vez, sofre a ação do pensamento dos espíritos na formação de corpos materiais, conclui-se que o nosso universo conhecido é decorrente da ação mental de espíritos evoluídos para servir de morada para os que lhes são inferior, evolutivamente falando. André Luiz, no livro Evolução em Dois Mundos, descreve em detalhes o processo de formação do nosso universo como sendo uma cocriação daqueles que ele denominou de “prepostos de Deus”.
Desta forma, Deus e suas criações, os espíritos, não podem estar ligados ou limitados ao tempo e ao espaço. Assim, é preciso considerar que o processo de Criação dos espíritos não está atrelado ao tempo. Portanto, dizer que este ou aquele espírito é mais velho ou mais antigo que outros é limitar Deus ao que nos é conhecido.
Os termos “Deus cria sempre” e “os espíritos tiveram um início” são utilizados para viabilizar algum tipo de interpretação, mesmo que restrito, em decorrência das limitações humanas para transcender às ideias que nos prendem à um mundo de expiação e provas, que é a capacidade de elevar a mente ao transcendental e conceber a realidade do espírito.
Analisando a questão 78 d’O Livro dos Espíritos percebemos claramente um certo jogo de palavras que, supomos, visa a possibilidade de algum tipo de interpretação. A referida questão contrapõe tempo e eternidade, isto é, ao mesmo tempo que usa termos do tipo “momento” e “quando”, que designam tempo, também fala em eternidade, extrapolando o conceito de temporalidade. Percebemos que, na resposta, os espíritos que responderam ao questionamento chegaram a dizer que é possível considerar que os espíritos não tenham tido um princípio se consideramos a eternidade de Deus.
Deus está fora do tempo e, portanto, não faz sentido em criar um depois do outro. Em contrapartida, sob o mesmo raciocínio, não pode ter criado todos de uma vez, pois também seria uma designação de tempo.
A Criação dos espíritos é um mistério neste sentido apresentado e sem abstrairmos das limitações impostas pelo tempo e pelo espaço enquanto conceito, teremos dificuldades de compreender aquilo que transcende e, inclusive, a nossa própria essência espiritual.