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Escrito por: Celso Martins
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Celso sonha que estava num bosque.

Um bosque seco, onde não havia água.

Isso em 1952!

I

Madrugada de setembro de 1952. Sonho que estava num bosque. Caminhava por entre muitas árvores enfezadas, num misto de caatinga com Mata Atlântica. Vê-se que aos meus 10 anos de idade ainda havia no Brasil esta mata tropical ao longo do nosso litoral, devastada em Pernambuco pelos plantadores de cana-de-açúcar no solo de massapé; e no Estado do Rio de Janeiro e depois no Estado de S. Paulo, pelos cultivadores de café, no solo da terra roxa, derivada da decomposição geológica do basalto, sendo que o solo paulista é fofo e contém os minerais necessários à germinação da Rubiácea que sustentou durante anos a nossa economia, tanto que Getúlio Vargas, nos anos 30, não deixava de prestar muita atenção às ações do café na Bolsa de Valores.

Acordei de manhã com a visão nítida de que era um botânico e estava a pesquisar aquela pequena mata sem água. Sim, já era sinal da falta de d'água no mundo. Isto, repito, em setembro de 1952. Duas semanas depois, eis que com minha mãe Maura e mais uma conhecida da parte dela, tendo pegado um trem elétrico na estação de Nova Iguaçu, fomos num dia de sol senegalesco até a estação de Japeri. Depois de andar sem proteção contra as irradiações ultravioleta da luz solar, expondo a pele a um processo de cancerização, atravessava uma fazenda antiga onde havia altas palmeiras, entramos num matagal que era tal qual havia sonhado dias antes. Árvores enfezadas, cheias de espinhos, forma de defesa do caule para evitar a perda excessiva da água pela epiderme das folhas durante o dia. Lianas e cipós entre os galhos retorcidos. No solo cheio de úmido e pegajoso húmus havia cogumelos e formigas. Íamos em busca de um médium umbandista que me passou Jurubeba para o fígado, de vez que fora malarioso. E o pobre do fígado, a mais volumosa glândula do corpo, sofra o ataque dos esporozoários pelo sangue transmitidos pela fêmea do mosquito Anópheles. E o médium indicava chá de erva de Santa Maria contra vermes intestinais, eu que andava descalço no solo sujo. Mais ainda, prescreveu-me bondosamente aquele curandeiro, diante de um pequeno altar onde estavam a imagem de Santo Antônio, com um copo de cachaça e uma vela acesa, tudo sobre uma toalha branca, chá de erva cidreira para acalmar-me os nervos, eu que sempre fui muito tenso, principalmente depois que, aos 18 meses de idade, na cabeça de porco onde nascera no sopé do morro de Santa Teresa, vi estirado ao solo um cadáver de um rapaz. Tomara formicida e o defunto ali estava esperando a chegada do rabecão para levá-lo ao necrotério. Almas piedosas acenderam círios e houve até um "espírito de porco" que teve a infeliz idéia de tirar uma foto, na qual eu apareço, com um ano e meio, sentado na calçada curta a menos de 3 metros do suicida.

II

Madrugada de 19 para 20 de novembro de 1954. Estando a dormir vejo que estou viajando de bonde e aparece um grupo de soldados com uniforme de campo nos bivaques armados no Campo de Santana diante do chamado Quartel General, sendo que o meu bonde ia ao lado do Hospital Municipal Souza Aguiar, na época mais conhecida como Pronto Socorro, onde o famoso cirurgião plástico Ivo Pitangui se iniciou na Medicina. Via o Presidente Café Filho querendo por em minha boca uma drágea que eu sabia ser de um veneno. Acordei assustadíssimo!...
No sábado, dia 21 deste mesmo novembro, eis que passo com minha mãe, trazendo roupa para ela lavar em casa, de bonde no mesmo lugar da Praça da República. E vejo os soldados do Marechal Lott ali acampados para tirar do poder o Café Filho, não deixando o Brasil nas mãos do Carlos Luz. Quer dizer, eu vi com um dia de antecipação os fatos.

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