Tribuna de Petrópolis. Suplemento. Petrópolis, 15 de maio de 1949. n. 1.
Com "especial decência" do historiador patrício Dr. Alcindo Sodré, diretor do Museu Imperial, divulga-se pela primeira vez, na integra, a precioso documenta autobiográfico da Princesa Isabel.
Escrito com a intuito de publicar-se traz, no papel que a capeia, a data de 1908 (no Inventario dos Doc. da Casa Imperial- Doc. 9335 - figura coma sendo 1905) embora não traga, no seu texto nenhuma indicação de data. Foi conservado até pouco tempo no Castelo d'Eu, de onde veio para a Brasil. São cinco folhas de almaço entrelinhadas.
Alegrias e Tristezas - Chamou D. Isabel a esse documento, em que retrata, singelamente, os episódios de sua vida.
Nasci no Palácio de S. Cristóvão, no Rio de Janeiro, a 29 de julho de 1846. Minha infância passou-a junto de meus queridos pais e de minha irmã mais moça. Não saía do Rio no inverno, nem de Petrópolis no verão. O palácio de S. Cristóvão fica situado num arrabalde do Rio, numa pequena elevação, ao centro de grande e belo parque, que durante minha infância se destacava pelas alamedas ensombradas de mangueiras, tamarineiros e outras árvores. Numa dessas maravilhosas aléias de bambus, cujos cimos se cruzavam tão alto que pareciam verdadeiras ogivas de catedral, brincávamos, minha irmã e eu, com algumas companheiras. Mais tarde, por inspiração de meu pai, traçou Glaziou a grande avenida em linha reta, margeada de arvores, conduzindo ao pátio fronteiro a bela fachada do Palácio. Dos andares superiores desse paço avista-se um trecho de mar do lado do Caju: de dois outros lados, descobre-se o esplêndido panorama que tem por fundo a Tijuca e o Corcovado. (A vista do alto desta montanha é uma das mais belas que conheço).
Passávamos o verão em Petrópolis. Embarcávamos no Arsenal de Marinha, na galeota a vapor de meu pai e navegávamos durante uma hora entre ilhas verdejantes e pitorescas até Mauá, deixando atrás de nós o Pão de Açúcar e a Fortaleza de Santa Cruz, que guardam a entrada do Rio. Tínhamos diante dos olhos as belas montanhas, cujos picos, em forma de tubo de órgãos, deram-lhe o nome de Serra dos Órgãos. Em Mauá tomávamos a estrada de ferro e, em duas horas, achavam-nos em Petrópolis, deliciosa residência de verão: jardins floridos, canais cortando a cidade, belas casas, colinas verdejantes, montanhas ao longe - algumas de granito, que ruboreciam ao por do sol.
Antigamente não se ia assim tão facilmente a Petrópolis. Tempo houve, na minha meninice, em que dormíamos em meio do caminho, na Fabrica de Pólvora. Servíamos então de cavalos ou jumentos e também de liteiras. Mais tarde veio a estrada de ferro na planície e as diligências ou os carros do Palácio levavam-nos a 800 metros acima do nível do mar, que avistávamos, por minutos, a nossos pés, antes de chegar à cidade. Dai podíamos gozar o espetáculo de um mar de nuvens formado em baixo.
D. Rosa de Sant'Ana Lopes, depois Baronesa de Sant'Ana, tinha sido posta como Dama junto à minha pequena pessoa, desde o meu nascimento. A Condessa de Barrai e Mile. Templier vieram mais tarde, presidir minha educação. A elas três minha saudade reconhecida e afetuosa.
A 2 de setembro de 1864 chegavam ao Rio o Conde d'Eu e o Duque de Saxe. Meu pai desejava essa viagem tendo em mira nossos casamentos. Pensava-se no conde d'Eu para minha irmã e no Duque de Saxe para mim. Deus e nossos corações decidiram diferentemente e a 15 de outubro de 1864 tinha eu a felicidade de desposar o Conde d'Eu. Nossa vida transcorreu doce e feliz
durante muitos anos. A morte de minha irmã e a perda de minha primeira filha, morta ao nascer, a 28 de julho de 1874, foram meus únicos desgostos durante 44 anos! Na tendência que Deus me deu de procurá-Lo em tudo, eu indagava, por vezes (apesar dessas duas grandes infelicidades) se era bastante digna de seu amor, para que não me experimentasse com mais freqüência. Aparentemente não era bastante forte para suportar ainda mais. Queria Ele levar-me pelo caminho da consolação e da graça que muito influiu sobre meu caráter?! Nada posso dizer. As provações vieram mais tarde, mas minha alma se volta para o Criador para agradecer-Lhe toda a felicidade que ainda me deixa neste mundo, na expectativa da que, segundo espero, me dará no outro.
Vim varias vezes à Europa com o conde d'Eu, e mais tarde com meus três queridos filhos. Meus pais, igualmente fizeram inúmeras viagens e por três vezes, durante a ausência de meu pai, fui chamada à Regência do Brasil. A 28 de setembro de 1871 assinava a primeira lei tendente à abolição da escravatura. Desde esse dia, todos os filhos de escravos nasceriam livres. Durante minha terceira regência tive a ventura de assinar o ato da abolição completa de 700 mil seres humanos! Desde muitos anos (repito-o ainda agora) o 13 de maio de 1888 passaram a ser um dos mais belos dias de minha vida.
A 8 de junho de 1887, voltando da Europa, encontrei meu pai ainda bastante enfraquecido pelos acessos de febre que lhe havia posto a vida em perigo. Aconselhavam os médicos uma viagem à Europa, certos de que isto seria de grande proveito. Eu não ousava me pronunciar com receio de errar. Meu pai partiu a 30 de junho. O Barão de Cotegipe, Presidente do Conselho, apresentou-me então sua demissão, que eu não aceitei, julgando-o capaz de sustentar a situação política e militar, bastante tensa. Seus sólidos sentimentos religiosos, eram razão bastante para conservá-lo no poder.
Via eu que a questão da escravatura ganhava terreno dia a dia; não havia publicações ou artigos de jornais que eu não lesse, convencendo-me cada vez mais, ser necessário andar nesse sentido.
Falei a respeito ao Barão de Cotegipe que me respondeu nada poder fazer contra a Lei Saraiva (segunda lei de 28 de setembro de 1885 sancionada no intuito de melhor satisfazer os anseios abolicionistas, e, segundo a qual, todo escravo que atingisse 60 anos seria livre) pela qual trabalhara, podendo entretanto fazê-la interpretar de modo a que dentro de pouco tempo (três ou quatro anos, segundo ele) estivesse extinto o cativeiro.
Encerraram-se as Câmaras e o Barão de Cotegipe prometeu-me que nesse intervalo estudaria a questão. Mas sentia que a idéia não progredia em seu espírito, nem quanta lhe falava em particular, nem quando o fazia em Conselho de Ministros. E o ideal tomava sempre mais impulso graças ao Conselheiro João Alfredo no Norte e ao Conselheiro Antônio Prado no Sul.
Agitava-se o país, fugiam os escravos, em massa, das fazendas. Eu via o perigo que tudo isso representava para a nação se o governo não tomasse a dianteira do movimento.
A própria escravidão, em si, atentado à liberdade humana, repugnava-me. A Igreja, pela voz de Leão XIII a condenava. Quanto aos proprietários de escravos, não tinham já fruído bastante o trabalho dos pobres negros? Que se deveria fazer? Indenização? Pensei muito, refleti muito seguindo impulsos de meu coração, fiz o que julguei de meu dever fazer: estranhando mesmo depois, com a facilidade com que corriam as coisas, todos os elogios que recebia a coragem que havia demonstrado, dificuldades e grandezas do fato...
Em Petrópolis realizou-se uma batalha de flores e um banda precatório a favor da emancipação nessa cidade. Estávamos em 1888.
Desordens e motins tiveram lugar no Rio, no mês de março, entre a polícia e o exército. Verificou-se então a crise do Gabinete Cotegipe. O Conselheiro João Alfredo tornou-se presidente do Conselho de Ministros. Entre as primeiras frases trocadas entre nos, falei-lhe da abolição da escravatura.
Transcorreram dias e semanas sem que eu ousasse perguntar ao Ministério o que faria pela abolição, já lhe tendo manifestado com bastante clareza o meu modo de pensar.
A 6 de maio a lei de abolição completa e imediata era apresentada às Câmaras, ai votado a 10, no Senado a 13 e imediatamente sancionado por mim. Festas e demonstrações de toda a sorte tiveram lugar.
Encontrava-se meu pai em Milão, que se agonizando. Lembrou-se minha mãe de transmitir-lhe a boa nova, que recebera por telegrama. Ao ouvir a notícia, proferiram meu pai estas palavras: Oh, grande povo, diga a minha filha... Estava salvo.
A 22 de agosto desembarcavam meus pais no Rio em meio de ovações de toda a sorte - com as da abolição, as mais entusiásticas que já vi. A saúde de meu pai não era mais a que fora antes, mas fora-nos restituído por algum tempo ainda, a fim de receber depois da coroa gloriosa de um trono deste mundo, a coroa mais árdua de carregar, mas não menos preciosa, qual a do sofrimento, suportada com coragem e generosidade.
Chego aos dolorosos dias, cheios de angustia, da revolução que nos atirou fora do Brasil!
A 15 de novembro estavam meus pais em Petrópolis. Meu pai, sempre enfraquecido, por sua moléstia do ano anterior, subira mais cedo que de costume. O Conde d'Eu, nossos filhos e eu, ficáramos no Rio. Devíamos oferecer a 19 uma recepção aos oficiais chilenos chegados, havia pouco, ao porto do Rio. Vejo ainda, daqui, as plantas trazidas para ornamentar a casa, ignorando que, desse dia em diante, não deveríamos mais voltar a essa querida habitação, o paço Isabel, em Laranjeiras, arrabalde do Rio, cheio de casas e jardins deliciosos. O paço Isabel, nossa residência do Rio, desde nosso casamento, bem afastado de São Cristóvão, é uma bonita casa no meio de grande jardim, ao pé de uma colina bastante alta, cujos caminhos verdejantes, povoados por miríades de borboletas (algumas dessas bem grandes, de um azul resplandecente) levavam-nos a uma esplêndida vista sobre a baia, o Pão de Açúcar, e outras montanhas e ilhas da Guanabara. Estávamos pois ocupados com festas, quando, às 10 horas da manha, vimos chegar o Visconde da Penha e o Barão de Ivinheima. Vinham dizer-nos que corria o boato de sublevação de parte do exército, que no largo da Lapa achava-se um batalhão ao qual se tinham reunido os estudantes armados da Escola Militar. Chegam, pouco depois, o Barão e a Baronesa de Muritiba e a Sta. E. da Penha, em seguida, sucessivamente, muitos dos mais devotados amigos.
A rebelião havia sido preparada muito habilmente pelo exército desde muito indisciplinado e pela Escola Militar, trabalhada pelas idéias subversivas dos professores. Avisos feitos ao Governo foram considerados como falhos e exagerados. O General Floriano Peixoto, de quem dependia o exército e que estava a par das manobras dos insurretos, tranqüilizava o Presidente do Conselho, o Visconde de Ouro Preto. O Marechal Deodoro da Fonseca, descontente com o ministério, nada mais desejava, então, senão derrubá-lo. No dia da sublevação entrou com suas tropas no Quartel General, dando vivas ao Imperador. Mas a idéia de chamar para formar Ministério, a Silveira Martins, seu inimigo mortal (uma vez que Ouro Preto estava preso, e, solto sob palavra, pediu demissão) facilitou o trabalho dos republicanos que o cercavam, os quais, aproveitaram-se do descontentamento da situação e conduziram-no a republica e a produzir essa desgraça cujas conseqüências continuamos a sofrer. Teve a revolução, ao menos, o aspecto, para nos bastante consolador, de ter sido feita exclusivamente pelo exército. Com todas as forças nas mãos não houve meio de se lhe resistir.
Voltamos, porém, ao relata desses dias infelizes.
Depois dos primeiros avisos pelo Visconde da Penha e Barão de Ivinheima, chegaram-nos notícias que nos pareceram bastante exageradas. Ofereceu-se Miguel Lisboa para ir até o Campo da Aclamação, onde fica o Quartel General, a fim de saber ao certo o que se passava. Voltou dizendo que o Ministério estava cercado pela tropa e o Ministro da Marinha, Ladario, tido como morto.
Logo depois chegou-nos a notícia que tudo estava pacificado, tendo, porém, o exército imposto e obtido a demissão do Ministério. O Conde d'Eu exclamou então: Acabou-se a Monarquia do Brasil. Não podia crê-lo! Disseram-nos também que Deodoro tinha ao pé de si Bocaiúva e Benjamim Constant, dois chefes republicanos e que já tinham declarado o Governo Provisório. Rebouças de
volta ao paço Isabel, veio também, de parte de Taunay, com o piano para que o meu pai ficasse em Petrópolis e ai estabelecesse o governo, internando-se mais, se fosse necessário. Mas como comunicarmo-nos secretamente com meu pai pelo telégrafo?
Soubemos, alias, pouco depois, que este tinha sido entregue aos insurretos. Fizemos expedir nossos filhos para borda do encouraçado Riachuelo, à espera do vapor de 4 horas da tarde que os deveria levar a Petrópolis. Era o meio de informar meu pai e por as crianças em segurança.
Ao meio dia e meio recebíamos um telegrama do médico de meu pai, o Conde de Mota Maia, avisando-nos que meus pais partiam de Petrópolis pela Estrada de Ferro do Norte. Decididos a encontrá-los na estação de S. Francisco Xavier, embarcamo-nos com os Muritiba numa lancha que nos devia conduzir de Botafogo ao Caju. Ao passar em frente ao Hospital da Misericórdia divisou o Conde d'Eu as carruagens do palácio. Dirigimo-nos então para o Cais Pharoux, onde soubemos que meus pais já se encontravam, efetivamente, no paço da Cidade, que fica no centro do Rio de Janeiro. Desembarcados, fomos encontrar meus pais com os quais ficamos desde então. Durante este dia apareceu uma escolta que veio pôr-se às ordens do Imperador. Este mandou chamar Ouro Preto, que lhe declarou ser-lhe impossível continuar no governo. Pelas 6 horas chegaram o Barão e a Baronesa de Loreto, meu sobrinho Pedro Augusto, a Baronesa de Suruf e outras pessoas, entre as quais Penha e Silva Costa que acompanharam meu pai todo o dia. Tivemos também os Calogeras, e as filhas da Penha. Igualmente veio Taunay, Tomaz Coelho, Soares Brandão.
Vários Conselheiros de Estado, convocados, decidiram meu pai a chamar Saraiva para formar o ministério no lugar de Silveira Martins, anteriormente proposto. Enviou-se a Deodoro um emissário que voltou às 2 horas da madrugada declarando que aquele já se considerava, irrevogavelmente, presidente da republica. Os que o cercavam e sua raiva por Silveira Martins haviam-no decidido, e não havia mais possibilidade de voltar atrás. Pela manha do dia 16 ainda algumas pessoas puderam entrar ou sair do Palácio. Ouvia-se constantemente a cavalaria cercando o edifício e dispersando os ajuntamentos. Por volta de 10 horas ninguém mais pôde entrar. Víamos, às vezes, embora poucos olhassem pelas janelas, pessoas conhecidas que, de longe, nos cumprimentavam. Que dia horrível! Às 2 horas chegava a Comissão do Governo Provisório, anunciada desde a véspera, com uma mensagem para meu pai, exigindo-lhe a saída do país. Compunha-se ela do Major Solon e outros oficiais inferiores. Tão perturbado estava Solon, ao entregar o documento a meu pai, que chamou-lhe sucessivamente de Vossa Excelência, Vossa Alteza, Vossa Majestade. Entregando seu triste papel disse: "Venho da parte do Governo Provisório, entregar, mui respeitosamente, a V. M. esta mensagem." E acrescentou: "Não tem V. M. resposta a dar?" - "Por enquanto, não" disse-lhe meu pai "Então, posso me retirar?" - "Sim" respondeu meu pai, sempre calma e cheio de dignidade.
Somente às pessoas que o cercavam declarou meu pai que se retirava. Não podia fazer outra coisa.
É impossível dizer o que se passou em nossos corações!
A idéia de deixar os amigos, a pátria, tanta coisa que prezo e que me relembravam a felicidade que desfrutei, fez-me cair em prantos.
À noite fomos repousar e algumas pessoas tiveram permissão de sair para os arranjos da partida. Há 1 hora acordaram-me. Supus ser o General Lassance que se ocupa, desde muito, e com bastante devotamento, de todos os nossos negócios. Era efetivamente ele, acompanhado dos Generais Mallet e Simeão, pedindo, de parte do Governo Provisório, que meu pai partisse antes do romper do dia, pois se temia qualquer manifestação do povo, estando os estudantes da Escola Militar armados de metralhadoras para atirar em quem resistisse. Fui acordar meus queridos pais e, com eles, Pedro Augusto, D. Josefina (Baronesa da Fonseca Costa), o conde de Aljesur, o Almirante Marquês de Tamandaré e o Conde de Mota Maia, embarcamos na convicção de irmos diretamente para borda do "Alagoas" que nos devia conduzir à Europa. O Visconde da Penha, a Sta. M. da Penha, Calogeras e Senhora, e Miranda Reis acompanharam-nos até o Cais Faroux, onde tomamos a lancha que nos conduziria ao "Parnaíba", em vez do "Alagoas". Nunca meu pai teria consentido nessa partida prematura, se não estivesse convencido da inutilidade de qualquer resistência, que só iria derramar inutilmente sangue. Saindo do Palácio, disse o meu pai aos Generais Mallet e Simeão, que se tinham algum sentimento de lealdade, dissessem os motivos dessa atitude. Repetiu isso ainda uma vez e, chegando ao Cais Faroux, declarou: "Os senhores estão malucos." Foi a única expressão de censura que ouvi de meu pai, com relação a quem lhe havia feito tanto mal.
Foi ao subir para bordo que soubemos que, em vez de irmos para o "Alagoas", levavam-nos para o "Parnaíba". Graças a Deus chegaram a tempo as crianças que, na véspera, fizemos vir de Petrópolis, embarcando conosco no "Parnaíba". Varias pessoas de nossa comitiva, entre as quais os Muritiba e os Loreto, que haviam saído para arrumações, não puderam apanhar o "Parnaíba", encontrando-se conosco na Ilha Grande, sobre o Alagoas. Deixamos a barra do Rio de Janeiro a 17 de novembro de 1889! Às 8 da noite, apesar da escuridão e do mar agitado, passamos para o Alagoas, apavorados, com esse embarque, principalmente por causa do mau estado das pernas de minha mãe. Dissemos adeus aos Amarante, vindo especialmente para ver-nos, e que deviam voltar no "Parnaíba". Partimos à meia noite da Ilha Grande, em direção à Europa, passando, ainda uma vez diante do querido Rio de janeiro, no dia 18, às seis e meia da manha.
Veio nesse dia, ao nosso encontro, o encouraçado "Riachuelo", para guardar-nos. Estavam conosco a borda do "Alagoas": a baronesa de Fonseca Costa - dama de minha mãe, o Conde de Aljezur - camarista de meu pai, o Conde de Mota Maia - médico de meus pais, Manuel da Mota Maia - seu filho mais velho, o Barão e Baronesa de Muritiba, o Barão e a baronesa de Loreto, o engenheiro Rebouças - que fez questão de acompanhar meu pai, Mr. Stoll - a serviço de meus filhos, as duas criadas de quarto de minha mãe, minhas duas criadas de quarto, os dois criados de quarto das crianças e o nosso querido papagaiozinho do Para, fiel companheiro de 20 anos.
Aos que nos acompanharam, a todos os que deixamos e que nos cercaram, de tanto devotamento e aflição nesses terríveis dias, minha melhor saudade e simpatia sincera!
Meu pai declarou-nos a borda que não aceitara o oferecimento de cinco mil contos, que lhe haviam oferecido num último papel que lhe entregaram ao partir. Era essa de fato a opinião de todos nos.
Declarou-nos ainda, durante a travessia, que se soubesse exatamente o estado das coisas a 15 de novembro, teria ficado em Petrópolis, internando-se mais se fosse necessário.
Desembarcamos em Lisboa, a 6 de dezembro. Acabrunhada por tantas aflições e pelo pouco conforto de bordo, minha Mãe adoecera desde o dia 2. Apanhando influenza em Lisboa, e sem quem ninguém pudesse imaginar seu fim, deixou-nos, por um mundo melhor, no Porto, a 28 de dezembro. Estávamos na Espanha, o Conde d'Eu e eu visitando o Duque e a Duquesa de Montpensier. Avisados da persistência da moléstia, voltamos a Portugal, chegando a Madrid, recebi a terrível notícia! Também meu pai nos deixava a 5 de dezembro de 1891! Tinha minha mãe em sua companhia, no Porto, a Baronesa de Japura e Isabel, sua filha. Estas e ainda os Muritiba, a família do Vis conde da Penha, vindo expressamente depois da revolução trazer-nos a prova de seu devotamento, e mais os São Joaquim, que encontramos na Europa, bem como os Japura, acompanharam-me continuamente em Boulogne-sur-Seine. Quantos já desapareceram entre os que formavam esta pequena corte de exilados! Sinto-me satisfeita por designá-los aqui.