Muitas vezes, dizemos “muitas vezes” para não utilizar a palavra sempre. É preciso nos despojarmos do orgulho e do interesse pessoal, quando tentamos entender o que os Espíritos responsáveis pela codificação kardequiana querem dizer com suas palavras. Um bom exemplo é a questão 551 de O Livro dos Espíritos.
Nesta questão, Kardec pergunta se um homem mau pode, com o auxílio de um espírito também mau, fazer mal a outrem. A resposta obtida é categórica e não deixa dúvidas de não ser possível, pois, segundo a resposta, “Deus não o permitiria”[1].
Caso fosse permitido aos maus se associarem para causar dano, estaríamos à mercê desses Espíritos e é nisto que consiste a não permissão de Deus, isto é, é contrário às leis causar dano a outros pura e simplesmente.
Contudo, vários são os relatos de Espíritos desencarnados maus, tal como os processos obsessivos, que causam dano, de alguma forma, a encarnados. Considerando, ainda, que muitos são os encarnados que causam dano a outros encarnados, resta a seguinte questão: Por qual motivo não seria permitido encarnados e desencarnados se associarem para causar dano a outrem? Como, então, compreender esta questão?
Em O Evangelho segundo o Espiritismo, temos que, “se em duas partes se dividirem os males da vida, uma constituída dos que o homem não pode evitar e a outra das tribulações de que ele se constituiu a causa primária, pela sua incúria ou por seus excessos, ver-se-á que a segunda, em quantidade, excede de muito à primeira”[2]. Os males que o homem não pode evitar constituem os flagelos naturais.
Desta forma, a culpa que costumamos creditar aos outros é, na verdade, nossa. Em outras palavras, não são os maus que causam dano a outros, mas esses mesmos que causam dano a si mesmos em decorrência das próprias vicissitudes. Um exemplo é o caso do estelionatário que apenas consegue tirar proveito de suas vítimas em decorrência da ganância nelas existente, em forma de desejo de ganho fácil. Numerosos são os avisos sobre as consequências de nosso comportamento na Codificação Kardequiana, tal como: "Quantos e quantos sucumbem por culpa própria, pela sua incúria, pela sua imprevidência, ou pela sua ambição e por não terem querido contentar-se com o que lhes havias concedido”[3].
Assim, o principal motivo para nos relacionarmos com Espíritos equivocados e maus, é o fato de sermos todos ligados a um mundo de expiações e provas, como a Terra; portanto, somos todos equivocados e maus. Em seguida, podemos dizer que o fato de sentirmos os efeitos danosos de espíritos maus é uma questão de afinidade. Conforme consta na resposta à questão 551, apresentada acima, não estamos à mercê dos maus por fazermos parte deste grupo e não, como muitos podem crer, devido à existência de poderes ocultos.
Considerar-se inalcançável à ação de um possível conluio entre encarnado e desencarnado é uma manifestação do orgulho, pois somente os espíritos mais elevados que estariam livres, por assim dizer, desta ação.
A Terra é um planeta repleto de crendices e crenças das mais variadas. Isto se deve, em grande parte, ao limitado entendimento das leis que regem a condição espiritual do ser humano. Como consequência, a humanidade em geral se mantém refém das variadas religiões e vertentes de pensamento, e tão grande variedade somente contribui para a insegurança reinante no que concerne a questões espirituais. Um grupo se diz detentor da verdade, enquanto outro grupo apresenta uma verdade diversa, mas ambos divergem do que diz um terceiro grupo, e assim por diante.
É interessante notar que muito do que aparentemente é diferente nas crenças, em essência, são a mesma coisa, porém, os grupos não conseguem perceber as semelhanças. A complexidade de conceitos e ideias gera uma confusão generalizada, em que um não entende o outro e, assim, surgem os conflitos entre diversas vertentes religiosas. Temos, ainda, alguns sistemas de governo que não aceitam conviver com crenças religiosas para que o Estado não seja ofuscado ou por não aceitarem dividir a dedicação da população. Como se isso não bastasse, ainda há aqueles que mesclam conceitos da ciência com religiosos equivocadamente.
Toda esta confusão está relacionada com o sistema de crenças e valores que são adotados pelas pessoas.
Dito isto, podemos perceber que um talismã tem o poder que lhe seja creditado.
Assim, não existem poderes mágicos em objetos e indivíduos, porém, a partir do momento em que alguém credita grande importância a um objeto ou pessoa ou fórmula mágica, para este alguém haverá grande poder, pois poderá conduzi-lo nesta ou naquela direção, acreditar nisto ou naquilo, a tal ponto em que abre mão da sua capacidade de pensar para seguir cegamente o que lhe foi dito ou apresentado. Nisto há grande perigo, pois se torna uma marionete, que poderá ser instrumento de Espíritos maus.
Podemos perceber a forma como uma doutrina, como o Espiritismo, atua, pois seu principal ensinamento diz: "Espíritas! amai-vos, este o primeiro ensinamento; instruí-vos, este o segundo…”[4], pois, somente o conhecimento liberta o ser do cárcere da ignorância.
Notas bibliográficas:
1. Allan Kardec; O Livro dos Espíritos, questão 551.
2. ___; O Evangelho segundo o Espiritismo, Cap. 27, item 12.
3. Ibidem; Cap. 28, item 3.
4. ibidem; Cap. 6, item 5.