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Artigo do Jornal: Jornal Outubro 2020
Escrito por: Ana Maria Chiarelli de Miranda
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Aos 30 anos de idade e 8 de trabalho para a Compahia Siderúrgica Nacional, papai foi escolhido, pela sua competência, para chefiar o escritório de Contabilidade da CSN em Nova York.  Em 19 de fevereiro de 1950, desembarcamos em solo americano.  Eu tinha 6 anos e meio e minha irmã 1 ano.  Mal sabia eu que pisar em território Americano marcaria o resto da minha vida.

  Em meados de abril, papai alugou um apartamento pequeno no bairro de Flushing, em Queens.  Completei 7 anos em agosto e ganhei de presente um par de patins! Alegria total! Fui para a escola em setembro falando inglês fluentemente.  Em dezembro, nasceu meu irmão Gilberto.

  Paulatinamente, papai ia equipando nossa casa com coisas novas aos nossos olhos:  máquina de lavar roupa, torradeira, aspirador de pó, ferro a vapor, toca discos portátil, carro e o GRANDE EVENTO DA DÉCADA:  A TELEVISÃO, o aparelho mágico!

 A vida continuou com mais novidades.  Em 1951, antes do meu 8o aniversário, chegou um piano!  Papai queria que eu aprendêssemos música.  Minha paixão era a televisão, e o sonho era ter uma bicicleta!  Pois dia 22 de agosto acordei e lá estava ela:  linda, azul, me esperando!  Celebramos em família.

 No ano seguinte, 1952, no meu 9º aniversário, já tocava algumas coisas no piano e papai entraria no que eu chamaria o "começo da minha iniciação sociocultural".  Seu sonho era incutir em mim o gosto pela literatura, a música, o estudo da língua, a história e as características e pessoas do país onde residíamos temporariamente, as artes, e tudo que ele trouxera de outras vidas, há séculos, mas que ainda não tinha aflorado.

  Sabendo da minha paixão pela televisão e principalmente pelos filmes de cowboy, engendrou um plano em conluio com mamãe!  Ganhei de presente uma calça comprida, blusa, meias, sapatos, tudo novo.  Mamãe me avisou que eu ia "sair com papai".  Sair com papai?  Sim.  Tomamos o metrô e chegamos num lugar que hoje eu poderia comparar a um Maracanãzinho, com capacidade para 25 mil pessoas. O que me esperava?  Nada mais, nada menos que um RODEIO do Roy Rogers, meu cowboy favorito da TV, que viera a Nova York se apresentar aos seus fãs fanáticos, entre os quais, eu.  Estávamos no Madison Square Garden!  Acho que todos os presentes sabiam do que se tratava, menos eu! De repente, começou a soar a música de abertura do programa do Roy e a plateia toda levantou em delírio para ver a entrada dele cavalgando seu magnifico Palomino Dourado, Trigger, seguido de sua esposa Dale Evans montada em seu garanhão Buttermilk, e seu pastor alemão Bullet.  Eu, muda, nem piscava.  Entraram a galope, acenando, dando a volta olímpica no estádio, e depois entrarem na arena.  Trigger e Buttermilk empinaram no centro e, para o delírio da plateia, ajoelharam saudando o público.  Os aplausos e gritos eram ensurdecedores.  Uma febre.  Quando o show acabou, eu mal conseguia levantar.  Olhei para o papai em espanto e muda!  Eu notei seus olhos brilhando e como que me interrogando ... Eu disse a ele: “papai, hoje não vou conseguir dormir” ... ele se emocionou.

E chegou 1953, e agosto mais uma vez.

Mamãe, apesar de tudo o que tinha que fazer, passou a semana fazendo um vestido novo pra mim, absolutamente lindo.  Ganhei sapatos de verniz, meias luvas brancas, e uma bolsinha.  E mais uma vez, "eu ia sair com papai"... 

Sabia que não podia ser para ir a outro rodeio vestida daquele jeito!

Novamente pegamos um metrô e, pouco tempo depois, chegamos em frente a um prédio todo iluminado, com uma fila gigantesca do lado de fora.  Mas papai, que já tinha dois "tickets", passou direto e entrou no prédio entregando os dois tickets a um senhor de fraque e luvas.  Entramos no salão e fiquei pasma:  nunca imaginara algo tão luxuoso.  Depois de sentarmos, ele me disse:  "Filha, este é o Carnegie Hall.  Viemos aqui hoje para ouvir um CONCERTO.  O violinista é considerado o melhor do mundo.  O maestro é um dos meus favoritos.  As músicas que você ouve nos shows de televisão também são bonitas e são chamadas populares e interpretadas por cantores famosos.  O que você vai ouvir aqui é música CLÁSSICA, inesquecível".  E eu completei:  "igual àquelas que você ouve lá em casa?"  "Sim", disse ele. 

 As pessoas conversavam em voz baixa, alegres, ansiosas.  De repente, uma campainha delicada soou.  Silêncio total.  As cortinas de veludo vermelho vinho, de uns 5/6 metros de altura, foram se abrindo devagar e a platéia aplaudiu freneticamente.  Era a Orquestra Filarmônica da NBC, os músicos de fraque.  Do alto dos meus 9 anos, a beleza da visão dos músicos e seus instrumentos tomando todo o palco me encantou.  De repente, do lado direito do palco, surge um senhor idoso, baixinho, cabelos brancos, curvado, de fraque.  A plateia de pé quase veio abaixo.  Arturo Toscanini, o Maestro.  Os aplausos duraram quase 5 minutos.  A seguir, surge do outro lado do palco, um senhor com seu violino:  Jascha Heifetz.  Pensei que o Teatro ia desmoronar.  Ensurdecedor.  Toscanini e Heifetz se encontraram no meio do palco.  A emoção e os aplausos foram demais para meus 9 anos.  Olhei para papai, querendo indagar sobre a grandiosidade daquilo e silenciei.  Ele estava extasiado.  Era também seu primeiro concerto ao vivo ...  Sentimos a mesma emoção.  Ele me olhou, colocou o braço sobre meus ombros sorrindo timidamente.   Hermínio Miranda, realizando um de seus sonhos de rapazinho de Volta Redonda, de poucos recursos e sonhos enormes, mostrando o que significava ARTE para sua filha...  sem que eu soubesse, e talvez sem que ele mesmo soubesse, ele já sabia o significado de tudo...

 O concerto começou e no final, o delírio.  Depois de umas 6 ou 8 chamadas de retorno ao palco para os aplausos que não cessavam, as cortinas fecharam, saímos e papai me disse:  "Filha, guarda tudo isso no seu coração.  Eu queria te dar este presente de aniversário.  Só daqui a muitos anos, você vai se lembrar desta noite inesquecível para nós dois".  Ele tinha razão...

 1954 -  Imaginei que não haveria tempo para celebrar meu aniversário porque embarcaríamos em outubro para o Brasil.  Mas meus pais eram únicos.  Mamãe me avisou que meu aniversário seria antecipado para maio.  Maio?  Por quê?  Vi mamãe e papai fazerem as malas, e de carro fomos para Washington, a capital dos Estados Unidos!  Eu já tinha e ainda tenho adoração pelos Estados Unidos.  Chegamos a Washington na hora do almoço.   Era um sábado, 4 de maio.  Almoçamos e fomos passear.

 Papai possivelmente não soubesse ao certo então, mas acredito que já tinha uma "visão interior" do que ia acontecer comigo no futuro distante e desconhecido.  Visitamos primeiro o Memorial de Lincoln em seu monumento incrivelmente imponente e lindo. Papai se calou diante da belíssima estátua em mármore branco de quase 6 metros de altura.  Eu já sabia, pelas aulas, que Lincoln tinha sido o presidente que havia decretado a libertação dos escravos.  Mas, para o papai, Lincoln tinha um significado maior...

 Passeamos pelas margens do Rio Potomac e as cerejeiras, no auge da florada, ficarão gravadas nos meus olhos enquanto viver. Cada árvore, um cartão postal.  Fomos ver a Casa Branca, da calçada, atrás das grades.  Estranhamente, meus olhos se fixaram na bandeira americana tremulando ao vento...

 Mas meu aniversário não acabara!  Voltamos ao hotel, e novamente nos arrumamos, papai de terno e gravata, mamãe linda, e eu no meu mais novo vestido de aniversário (adiantado)...  Fomos jantar fora. 

 Sabem com quem?  ERICO VERISSIMO e sua esposa, D. MAFALDA.  Papai depois de manter uma amizade por correspondência com o magno escritor brasileiro, tinha ido a Washington a convite do casal e me levou.  Foi meu presente.  Eu só tinha lido livros em inglês e não sabia quem era o laureado brasileiro. 

No dia seguinte fomos à casa do "Tio" Erico almoçar e passar o dia. Papai e Erico conversaram umas 3 horas, assim como mamãe e D. Mafalda.  Eu fiquei maravilhada com o tamanho e a decoração da casa, os objetos de arte, e me lembro até hoje de "Tio Érico" e papai conversando no porão da casa, o cômodo enorme, que achei o mais lindo e aconchegante de todos, e eu olhando e ouvindo em silêncio.  O "Velho Escriba" (ainda em gestação espiritual) e o imortal Erico Verissimo...  

  Meus aniversários com papai acabaram.  Minha infância fora abençoada por Deus, pelo amor, pela alegria, pela neve, o outono, a 5ª Avenida na Páscoa, a Catedral de São Patrick, pelos patins, a bicicleta, o Rodeio, a Televisão, pelo concerto, a Estátua da Liberdade, pelo Metropolitan, por vir a conhecer os grandes astros dos anos de ouro do rádio, televisão, cinema e música da década de 50, pela escola Pública Nº. 22, pelos Estados Unidos, pelos amigos...

 Me formei em Direito pela PUC em 1967, e de fevereiro de 1968 a setembro de 2014, trabalhei para o Governo dos Estados Unidos, na Embaixada Americana no Rio de Janeiro, 48 anos.  Papai me preparara e Deus me amparara.

 Deus, meu Pai, papai e mamãe são rigorosamente "responsáveis" pela felicidade que povoou toda a minha vida:  mamãe, a "INEZquecível", e Hermínio C. de Miranda, um jovem de 34 anos, cujo corpo já abrigara espíritos exponenciais no decorrer de milênios, e que já veio pronto – meu pai ...

 

Na próxima edição, leia quando Hermínio se tornou espírita.

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