Durante dois anos e meio esta coluna lembrou Kardec, ininterruptamente todos os meses, referindo-se à sua pessoa e sua obra com o especial objetivo de sanear pelo menos um pouco o movimento espírita brasileiro, encharcado de procedimentos de fundo católico que a FEB sempre patrocinou, com a ajuda do médium psicográfico mais famoso do país, tão roustainguista quanto ela, ou seja, não kardecista, o que significa dizer cristólatra e não cristão. Tal médium, já no Além, admirável pela humildade e nobreza do coração caridoso, era devoto de Maria, a quem chamava de “Mãe Santíssima”, tendo-lhe até desenhado o retrato em transe, certamente com fins idolátricos.
É de suma importância prestigiarmos Allan Kardec e a filosofia que ele codificou tendo perfeita noção da natureza e utilidade do pensamento filosófico, diferente do científico, do religioso e do artístico, dos quais ele se distingue por ser fundamentalmente indagador, fazendo-nos aproveitar o mais precioso instinto que DEUS nos ofertou, o da curiosidade, mola propulsora da evolução individual e portanto bússola da inteligência.
Enquanto o pensamento científico é sempre particularista, limitado a este ou aquele fato, a um ou outro fenômeno, querendo saber como as coisas acontecem para conhecer o mecanismo funcional das leis que as regulam a fim de tirar proveito disso, o pensamento filosófico é sempre generalista, não se prende a fatos e fenômenos específicos, quer saber não como e sim porque e para que as coisas acontecem, qual é o sentido da sua existência, da sua origem e sua finalidade.
Enquanto o pensamento religioso é dogmático, firma-se na crença, o filosófico é questionador, lastreia-se na racionalidade lógica fazendo perguntas e não afirmativas.
Enquanto o pensamento artístico preocupa-se apenas com o belo que reside na forma, o filosófico se interessa pelo bem, que está na essência, colocando a ética acima da estética.
Para sermos verdadeiramente espíritas, a luz da Codificação de Allan Kardec que classifica e define nossa doutrina como filosofia (vide página frontal de O Livro dos Espíritos e o seu texto intitulado Prolegômenos, após a Introdução), necessitamos aprender a pensar filosoficamente, sem o primarismo dos irmãos “religiosos” e sem intelectualismo dos companheiros “laicos”.
Aliás, nossa deficiência no que se relaciona a isto é que causou as errôneas do movimento espírita brasileiro, ora afundando em deplorável processo de sectarização mística por um lado, o dos irmãos “evangélicos”, ora enveredando em cogitações eruditas inconsequentes por outro lado, o dos companheiros que lhe fazem oposição sistemática.
A partir da presente edição colocaremos esta coluna por algum tempo a serviço tão só do pensamento filosófico kardequiano, na esperança de contemplar os confrades lúcidos e esclarecidos que também merecem atenção, embora pouco se importem com as mazelas lamentáveis e crônicas existentes em nosso movimento doutrinário.
Amigos leitores, este artigo foi escrito em vida pelo já saudoso Nazareno Tourinho.