
A humildade é uma das principais virtudes do espírito. Em seu evangelho, Jesus, por diversas vezes, fala dela com um profundo respeito e, o que é mais importante, a pratica para nos dar exemplos concretos. Em que consiste, porém, a humildade? Esta é uma pergunta de difícil resposta; assim, o máximo que se pode fazer é conversar sobre o assunto, sem a pretensão de esgotá-lo.
Em primeiro lugar, por incrível que possa parecer, não podemos cair na armadilha de confundir humilde com seu oposto, a vaidade. Conta-se por exemplo que, em Atenas, havia um filósofo cínico, chamado Cleanto, que se dizia muito humilde e costumava se vestir com um manto bastante esfarrapado, para indicar a sua humildade extrema. Certa vez, Cleanto, com o seu manto esburacado, passou perto de Sócrates, o qual, ao vê-lo, comentou: “O Cleanto, eu vejo a tua vaidade me espreitando por entre os buracos de teu manto”. Sócrates percebeu a hipocrisia de Cleanto e a denunciou.
Em segundo lugar, não se pode confundir humildade com atitude tática. Em sua reflexão, escreveu o moralista francês La Rochefoucauld: “A humildade, muitas vezes, não passa de uma submissão fingida, da qual nos servimos para submeter os outros. É um artifício do orgulho, que se abaixa para elevar-se e, embora se transforme de mil maneiras, nunca está melhor disfarçado nem mais capaz de enganar do que quando se esconde sob a aparência da humildade.”
Em terceiro lugar, não se pode confundir humildade e covardia. Há pessoas medrosas, tímidas, que passam a sua vida engolindo sapos e, por isso, vendem a imagem de humilde. Tais indivíduos, porém, são acovardados e, de fato, temem tomar decisões com receio de desagradar a quem temem. Há pessoas que suportam durante anos e anos um patrão arrogante e sempre baixam a cabeça, mesmo quando têm razão ou são injustiçadas; fazem isso, contudo, não por humildade, mas por medo de perderem seus empregos. Para muitos, são humildes, quando em verdade são medrosas.
Em quarto lugar vêm as pessoas que possuem uma dose considerável de baixa estima e passam pela vida acreditando que não têm direito à felicidade.
Conta-se um certo dia que Tomás de Aquino estava no convento, na companhia de outros frades. Um dos religiosos, muito brincalhão, decidiu pregar uma peça no Doutor Angélico. Assim, virando-se para ele, disse, apontando para a janela aberta:
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Irmão Tomás, veja!
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O quê?
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Está passando pelo céu, exatamente agora, um boi voando.
Para espanto geral, Tomás, interrompendo a leitura que fazia, foi até a janela e ficou olhando para o céu. Os outros padres começaram a rir. O autor da brincadeira, meio contristado, admoestou Tomás:
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Irmão Tomás, pare com isso. Não vê que eu estava brincando? Como pode acreditar que um boi possa voar?
Tomás deixou a janela e, virando-se para o pândego, falou:
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Sabe o que é, meu irmão? É que achei mais fácil um boi voar do que um frade mentir.
Por certo, esta é uma anedota pedagógica contra a mentira. Quando Tomás foi à janela, certamente, já sabia o que iria dizer ao brincalhão. Essa passagem do folclore da igreja abre espaço para conversar um pouco sobre a mentira. Jesus também procurou combatê-la com grande energia e por quê? Acreditamos que a luta contra a mentira seja fundamental para o nosso progresso espiritual. Cada vez que mentimos, causamos um mal às pessoas e a nós mesmos. Não é a toa que, popularmente, o Diabo é chamado de Pai da Mentira.
Por que mentimos? Os motivos são variados: mentimos por covardia, com medo de assumir responsabilidades; mentimos para agradar as pessoas; mentimos para auferir lucros de uma determinada situação; mentimos para vendermos uma imagem falsa de nós mesmos; mentimos para seduzir; mentimos por tudo e por nada. Mentimos, muitas vezes, pelo simples prazer de mentir.
A pior de todas as mentiras, entretanto, é aquela que pregamos para nós mesmos e que costuma influenciar nossas vidas mais do que as mentiras que divulgamos para os outros ou do que as mentiras que os outros expressam a nosso respeito. E o pior de tudo isso se dá quando, assumindo uma atitude doentia, passamos a acreditar por nós mesmos, não percebemos o mundo real que está em nosso redor, porque vivemos uma outra ordem de realidade extremamente falsa, mas que temos por verdadeira.
O primeiro modo para quem deseja avançar resolutamente no caminho de uma vida espiritualmente mais sadia é a ruptura com a mentira e, em troca, buscar estabelecer um compromisso sério com o verdadeiro, honesto e íntegro; entretanto, depois que aprendemos a não suportar a mentira, percebemos que a nossa vida se torna fácil, mais rica e produtiva. É difícil, repito, todavia vale a pena. Ouça quem tem ouvidos de ouvir.