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Artigo do Jornal: Jornal Março 2018
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       Jesus, o Divino Pedagogo, aproveitava todos os acontecimentos para nos ensinar, mostrando como se faz, fazendo. Além do exemplo, baseava-se nos fatos para nos contar histórias, em forma de parábolas.

Parábolas são narrativas curtas, dirigidas às nossas consciências, que muitas vezes nos deixam com uma dúvida atroz: Como eu deveria ter agido?

Jesus, para nos revelar a Lei de Amor, retirava suas comparações nas ocorrências do cenário simples e rústico das fazendas e aldeias: o rei, o fazendeiro, o pastor, o fariseu, o publicano, o mercador, o talento, o samaritano, descrevendo-nos a vida cotidiana de uma província romana daquele tempo.

Eu também quero contar uma história, não tão pequena como as parábolas, porém de alta significação, que vez por outra conto em palestras.

A história é fundamentada no livro História de Catarina, de R. Hermindo, editado pela FEB em 1941, modificada de acordo com a minha interpretação:

Eugênia, uma jovem princesa, vivia em seu soberbo palácio, à semelhança de uma bela flor numa estufa de vaidade.

Os seus olhos eram verdes como duas esmeraldas. Os seus cabelos, louros da cor do trigal maduro, a emoldurar os ombros, aumentando-lhe a beleza.

Essa jovem tinha um hábito interessante: todas as noites, antes de se entregar aos braços de Hypnos, o deus mitológico do sono, debruçava-se no parapeito da janela palaciana e fitava as estrelas coruscantes no lençol muito azul do infinito e monologava:

— Como sou poderosa! Como sou rica! Acredito mesmo que não exista ninguém mais poderosa do que eu por estas paragens!

E os seus pés finos pisavam por todos os tapetes macios e quentes.

Uma noite, porém, a princesinha teve um sonho revelador. Sonhou que dois anjos conduziam-na pelos braços para além das estrelas das nossas noites e aportaram-na numa cidade maravilhosa: o casario era de uma magnificência que transcendia toda a arquitetura conhecida na Terra.

A paisagem era de uma policromia maravilhosa. Os pássaros possuíam uma plumagem sem semelhança com os pássaros que conhecia.

Embevecida, ela caminhava deslumbrada, impressionada com tanta beleza, quando, de repente, que surpresa!, seus olhos verdes contemplaram um majestoso palácio de torres azuis, resplandecente de estrelas. Curiosa, ela perguntou a um dos cicerones:

— Amigo, devotado amigo, concede-me uma informação! Quem é o senhor de tão notável propriedade, perto da qual o meu palácio no mundo mais se parece a uma casa de despejo?

O mentor espiritual, com um sorriso de primavera nos lábios, fitou paciente e carinhosamente a nossa jovem donzela e redarguiu-lhe com bom humor:

— Ah! Princesa, esse palácio... esse palácio pertence ao seu jardineiro.

— Como!? — retrucou espantada — como pode ser isso!? O meu jardineiro não passa de um pobretão! Um trabalhador de salário irrisório! Um analfabeto! Um homem sem estrutura social! Como pode ele possuir uma casa deslumbrante na morada celeste!?

— Tenha calma, princesa — retrucou amorosamente o benfeitor espiritual — vou lhe explicar: as residências aqui são construídas com a alvenaria do amor, da lídima caridade, da virtude em seu mais alto grau de excelência. Esse jardineiro humilde, pobre, quase analfabeto, é senhor de grande soma. Suas palavras de luz, seus gestos de bondade, o amor com que ele se dedica ao trabalho das flores, a paciência que ele tem com a mãe, paralítica no leito, há mais de trinta anos e, do pouco salário que recebe, ainda tem a valentia moral de descer a favela para levar um doce, um pão, um litro de leite aos órfãos, às viúvas, e, todos os seus pensamentos, os seus  gestos de bondade, materializaram esse palácio soberbo, imperecível, arquitetado com suas lágrimas de renúncia e suas mãos feridas pelo trabalho honesto do dia a dia.

A princesinha estava atônita, pálida, mal acreditando em tudo o que ouvia e via. Continuou a caminhar quando, de repente, houve uma transformação abrupta da paisagem: o céu tornou-se opaco; a brisa perfumada cedeu lugar ao vento ululante; a paisagem ressequida, anêmica, a um lugar irrespirável, e, para surpresa sua, ela estava diante de um miserável casebre, que os próprios cães rejeitavam entrar, tal era o seu aspecto de desprezo e humilhação.

Com duas pérolas em forma de lágrimas a se deslizarem pelos seus olhos verdes de esmeralda, ela perguntou, tomada de profunda conturbação psicológica:

— Amigo, devotado amigo, de quem é esta choupana desprezível? Socorre-me!

Agora, sem aquele brilho de felicidade a bailar nos lábios no desenho de um sorriso, o benfeitor espiritual explicou à jovem princesa com a voz embargada pela emoção:

— Olha, jovem, esta casa humilde e desprezível é obra sua. Você a construiu vivendo o dia a dia na Terra.

— Mas, não pode! Há um equívoco! Eu sou a princesa! Tenho credenciais. A minha estrutura é dos nobres.

— Pobre filha! Aqui não chegam as convenções do mundo. Quando não representam trabalho, valores morais, são destituídas de significação. Todos os patrimônios da vida pertencem a Deus que no-los empresta para determinada tarefa. Você, princesa, não tem sabido agradecer às dádivas incontáveis que se sucedem em seu caminho. Você assemelha-se àquela flor de estufa, muito bela, porém morta em si mesma, sem seiva e sem perfume. Você nunca endereçou um olhar de compreensão aos lacaios do seu palácio. Você nunca sujou seus pés indo ao encontro dos infortúnios ocultos.

— Quantas vezes, princesa, você dormiu irritada, nervosa, colérica, sem mesmo agradecer ao Pai Supremo por tudo de belo, de magnífico, de maravilhoso: o sol, as flores, os artistas amigos que lhe cercam o dia! Então, princesa, sua maneira nociva, suas palavras agressivas, sua indiferença congelante, materializaram este casebre.

— Pobre amiga. Nunca é tarde, porém, no caminho do Espírito para uma renovação de estrutura. Ao despertar hoje, no corpo físico, coloque-se na posição de quem serve. Agradeça a Deus e passe a amar o seu semelhante.

E a nossa princesa despertou no corpo físico. Abriu os olhos verdes de esmeralda. Olhou o mundo lá fora pela janela palaciana e endereçou a Deus uma prece de gratidão pelo sol, que envia sua luz gratuitamente; pelas flores, missionárias do perfume; pelo vento, esse andarilho maravilhoso que tudo refrigera e fecunda. Conversou, sorrindo, com todos os lacaios, e o palácio transformou-se numa festa. Foi até ao jardim pela primeira vez, fitou face a face o rosto sereno do jardineiro, o homem que era rico no mundo espiritual e tão pobre neste. Perguntou-lhe, humilde, na posição de quem agradece:

— Jardineiro amigo, o que devo fazer para mandar tijolo de luz para o mundo espiritual?

O jardineiro, sorrindo, numa gargalhada feliz, explicou à nossa princesa:

— É tão fácil, minha jovem. Quantos pés o Senhor da Vida lhe outorgou?

— Ah! Mas é claro! a sua pergunta é incoerente. Tenho dois pés.

— Não, não, não é tão simples assim.

— Quantos sapatos você retém no interior do palácio?

— Ah! Mais de cento e cinquenta pares.

— Pois é, princesa. Eu conheço uma favela onde moças da sua idade e do seu porte tem os pés feridos pelos seixos das estradas ermas, pontilhadas de espinhos, por não terem simples tamanco para calçar.

— Quantos vestidos você retém nos guarda-roupas da fortuna?

— Sim, em verdade eu devo possuir mais de duzentos.

— A favela a que aludi —explicou o jardineiro — tem tantas jovens da sua idade que esperam ansiosas por agasalhos para que possam se aquecer.

— Venha comigo, princesa. Vou mostrar-lhe face a face esse outro lado da vida!

Então, a princesa logo arrumou o cesto de víveres: roupas, agasalhos, remédios, e acompanhou aquele samaritano da caridade.

Ambos chegaram à favela. Coisa extraordinária! As crianças subnutridas, os órfãos, os velhinhos, mesmo aqueles que não podiam andar, clamavam em altas vozes de alegria por chegar, ali, o apóstolo da caridade.

Abraçavam-no crianças e velhos. Contudo, a nossa princesa era uma ilustre desconhecida. Ela percebeu que não era quase nada ante aquele homem simples, sem dinheiro, sem palácio, sem tradição, sem cultura, mas, com tanta bondade e tanto amor, irradiava serena paz e muita alegria. Apanhando a sua tesoura, a princesa cortava as unhas de um paralítico aqui, lia as páginas do Evangelho para alguém ali. Deixava em cada cama vazia um cobertor quente. Falava, ensinava, ouvia.  Dava banho nos doentes, escovava os dentes daqueles que estavam impossibilitados de usar as mãos, acompanhando passo a passo os exemplos do jardineiro.

Assim, a fada viva do palácio passou a ser conhecida nas redondezas como A Dama da Caridade dos Olhos de Esmeralda.

A princesa cumpriu, perseverante, por décadas, essa missão que abraçou com tanto amor, que quando a morte lhe sobreveio ao veículo físico, ela já havia construído uma mansão de luz ao lado do palácio do jardineiro.

Muita paz!

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