
Existem alguns temas que são evitados porque foram rotulados de polêmicos, mas existem outros que são evitados porque espelham uma realidade que muitas pessoas preferem evitar; a separação é um desses temas. Essa foi a motivação principal para propor uma reflexão cuidadosa sobre o tema, principalmente quando observamos o crescente número de crises e insatisfações conjugais, mesmo dentro dos ambientes religiosos e entre os casais ligados aos trabalhos religiosos.
A primeira coisa que se precisa examinar é: O que motivou essa união?
É muito comum ouvir-se que chegou a hora de casar, seja porque todos os amigos estão casando e não se quer ficar sozinho(a), ou porque se chegou à idade de casar e ainda porque “precisa” ter filhos. Independente do(s) motivo(s), muitas vezes o que se esconde por trás dessas justificativas são questões de ordem psicológica, como a necessidade infantil de dependência, incapacidade de organizar a própria vida, necessidade de garantia afetiva etc., tudo menos a genuína construção amorosa necessária para a união de duas pessoas.
Não são raros os que relatam que seus pais e avós se casaram na esperança de livrar-se da estrutura autoritária com suas famílias de origem, sendo o casamento uma válvula de escape. Assim, podemos observar que por algumas gerações tivemos poucos exemplos saudáveis de casamentos, sendo esse um dos fatores que contribuem para o aumento das separações e da insatisfação conjugais da atualidade.
As pessoas que nos procuram para atendimento terapêutico geralmente trazem uma irritação com os defeitos “inesperados” dos companheiros, sendo normalmente essa “descoberta” o que gera o início das brigas e discussões do casal. A antiga crença que “depois que casar muda” é geralmente confirmada pela maioria dos casais. Mas, será mesmo que mudou? Será que não houve atenção suficiente para ver o que sempre esteve ali? Ninguém muda porque casou; o que acontece é que a convivência diária revela o que muitas vezes nem se sabia possuir, e nem todos estão preparados para enfrentar juntos essa descoberta.
Como afirma Joanna de Ângelis1 “Um dos fatores que se encarregam de produzir conflitos nos relacionamentos em geral e particularmente na área afetiva, é a imaturidade psicológica do indivíduo”. Assim, os casais passam a viver a ambivalência afetiva característica das relações humanas. Amor e ódio, atração e repulsa, afeto e aversão, e não pode existir expansão de consciência sem atrito entre forças opostas, pois seja no relacionamento ou seja no próprio indivíduo, lidar com a sombra é parte importante do crescimento. O que acontece na maioria das relações é que infantilmente espera-se viver a experiência do inicio apaixonante durante toda a vida do casal, e isso é impossível, a não ser que ambos escolham a estagnação total da vida material, emocional e espiritual. É a ambivalência que pode proporcionar as variadas possibilidades de crescimento e troca existencial para o casal, se ambos estiverem dispostos ao crescimento.
O que é curioso no comportamento conjugal é que, normalmente, os fatores que levam à separação muitas vezes apareceram no inicio da relação, mas não houve a escolha madura de lidar com esses fatores. Quando vive o encanto inicial pelo outro o ego imaturo tende a afastar de si qualquer imagem que possa macular o seu estado de paixão, o que pode levar à ilusão de que o outro não possui “defeito algum”. Essa negação vai contribuir mais tarde para agravar as dificuldades da relação e terminar por destruir a base de sustentação. O que não deve se deixar passar é que “fazer-se de cego e surdo” para o que desagrada é garantia, com o passar do tempo, de entrar em um movimento autodestrutivo no casamento.
Todos querem viver uma história de amor que garanta no final “e viveram felizes para sempre”, como nas telenovelas e contos de fada, só que não podemos e não devemos atribuir ao casamento a responsabilidade de resolver nossos problemas existenciais. Tampouco é “como acertar na loteria”. Se formos maduros o suficiente saberemos que não é possível entrar no casamento sem levar na bagagem nossos próprios problemas e limitações, além é claro da certeza de que nossos companheiros também possuem dificuldades, e que quanto menos nos conhecermos maiores serão as chances de que elas se somem durante a relação.
A busca inocente da felicidade gerada pelo casamento encontra-se mais enraizada naqueles que não são capazes de viver uma vida plena fora do casamento. Ingenuamente a pessoa se ilude e sobrecarrega o outro em um padrão de exigência afetiva que se aproxima da crueldade. O outro é obrigado a realizar o que não somos capazes de fazer por nós mesmos, e essa tarefa não é possível, pois é intransferível.
Esse é justamente o momento em que o casamento deixa de ser o que se esperava, quando o casal não atende mais as exigências imediatas um do outro, que se delineiam, inesperados, os primeiros obstáculos, pois a desilusão aparece. Agora o questionamento inicial é fundamental: O que motivou essa união?
Dependendo dos alicerces que fundamentam essa união, em alguns casos a separação é inevitável, mas isso é assunto para nosso próximo artigo...
1 Encontro com a paz e a saúde, cap. 4.