Nessa vida sempre encontramos pessoas que colocam os amigos e os parentes em um primeiro plano, vindo bem depois as outras pessoas. Conheço uma pessoa que costumava dizer, e falando sério: amigo meu não tem defeito e os inimigos, se não tiverem, eu ponho. Esta atitude de privilegiar as pessoas emocionalmente mais próximas é bastante errada. O nosso compromisso moral é com a verdade e a justiça e não com pessoas. Assim, se nossos parentes e amigos estão errados não podemos, em hipótese alguma, apoiá-los.

Vamos mais uma vez nos socorrer de Jesus. Conta-nos o Evangelho de Lucas que, a família de Jesus, na época da Páscoa, fora a Jerusalém como faziam todos os judeus à época. Levaram com ele seus filhos e também Jesus, que estava com apenas doze anos. Ao regressarem, terminados aqueles dias festivos, a família de José retornou a Nazaré, mas Jesus ficou em Jerusalém e disto seus pais não souberam. 

Já distante da Cidade Santa do Judaísmo, José e Maria, sentindo a falta de Jesus, voltaram à Jerusalém para procurá-lo. Depois de muito tempo de busca foram encontrar Jesus no Templo conversando com os doutores da Lei. Travava-se, então, o seguinte diálogo entre Jesus e seus pais:

• Filho, por que fizeste isso para conosco? Teu pai e eu ansiosos te procurávamos.
• Por que me procuráveis? Não sabíeis que eu estava cuidando dos negócios de meu Pai?

            Em nossa cultura, as imagens paterna e materna são grandemente dignas de respeito. Há inclusive um mandamento mosaico que manda honrar pai e mãe. Ora, Jesus está falando com sua mãe e, ao invés de dar razão a José e Maria por sua preocupação, chama a atenção deles (principalmente Maria, que, na Anunciação, soubera quem era Jesus) sobre qual era sua verdadeira missão na Terra.

Certa vez, Jesus estava na casa de Lázaro e de suas irmãs Marta e Maria. Naturalmente, para elas, receber Jesus era um acontecimento muito especial. Marta deveria ser uma mulher pragmática e cuidadosa com a limpeza e organização da casa. Maria, cujo temperamento era mais místico, gostava de ouvir de Jesus. Assim, naquele dia, Maria foi assentar-se aos pés de Jesus enquanto Marta entregava-se à faina doméstica. Marta, sentindo-se incomodada com a situação, disse a Jesus:

• Senhor, veja a minha irmã sentada a teus pés enquanto eu me entrego ao trabalho sozinha.
• Marta, estás ansiosa e preocupada com muitas coisas, porém, uma só é necessária. Maria escolheu a boa parte, a qual não lhe será tirada.1

Novamente Jesus, embora gostasse de Marta, não concordou com ela, antes deu-lhe uma lição e, possivelmente, ferindo o seu orgulho deu razão à Maria e não a ela.

Jesus amava Pedro, que havia sido um dos primeiros discípulos que ele convidara para o seu apostolado. Certo dia, entretanto, Jesus decide falar de sua própria morte. Então, elevando a voz, falou: "Importa ao Filho do Homem sofrer muitas coisas, que seja rejeitado pelos anciões, pelos principais sacerdotes e pelos escribas seja morto”.

Jesus disse essas palavras abertamente, entretanto, Pedro o chamando à parte a Jesus, começou a repreendê-lo por causa das palavras que ele dissera e que lhe parecera fruto da insensatez. Depois de ouvi-lo, Jesus falou ao amigo com severidade: “Afasta-te de mim Satanás! Não pensas nas coisas de Deus, mas sim nas coisas humanas”.

Este mesmo Pedro, em outra oportunidade, fez uma bravata dizendo que se Jesus fosse preso, ele o defenderia, e Jesus diz a ele a famosa frase: “Pedro, nesta mesma noite, antes que o galo cante, três vezes tu me negarás".

Pedro era um amigo querido, entretanto, isto não o impediu de Jesus chamar-lhe a atenção, energicamente, uma vez que estava resvalando para a falta de fé em Jesus e fazendo uma falsa avaliação a seu próprio respeito.

Essas passagens de Jesus reforçam a tese de que esposamos de inicio que o amor à verdade e à justiça está acima das amizades, por mais caras que elas sejam. Assim, se nossos parentes e amigos estão errados, não podemos lhes justificar a conduta errada.

1 Lucas X: 38-42