“...ela, porém, ofertou do que era necessário, deu mesmo tudo o que tinha, tudo o que lhe restava para viver”. Jesus (Marcos, XII:41 a 44)
O trecho narrado acima faz parte da passagem evangélica O Óbolo da Viúva. Narram os evangelistas que o Doce Rabi, juntamente com um grupo de discípulos e apóstolos, observava as doações que eram depositadas no gazofilácio (sala de doções) do Templo.
Verificam que muitos ricos doavam com abundância, quando uma pobre viúva se aproxima e deposita ali as únicas duas moedas que possuía. Esta passagem é de singular beleza e inicialmente nos leva a seguinte reflexão: qual a envergadura desse espírito que consegue de dispor de tudo o que tinha? Não temos como afirmar tampouco é este objetivo, mas podemos concluir que este espírito possuía nobres conquistas morais.
No episódio vislumbramos dois tipos de caridade: primeiro, aquela efetuada com as sobras dos nossos excessos; a segunda, baseada em dar de tudo o que possuímos. A soma material das primeiras eram maiores, porém aquela efetuada pela viúva teve um valor moral e de beneficência maior, visto que entregou do que lhe era necessário. Abriu mão de tudo o que possuía.
O homem feliz que não tinha camisa
Narram alguns historiadores a fábula do homem feliz que não tinha camisa. A fábula apresenta versões diferentes entre um e outro, porém a lição moral é a mesma: “Era uma vez um rei muito rico, mas muito doente e deprimido. Uma fada lhe aparece e diz que vai sarar se vestir a camisa do homem mais feliz do seu reino, a França. Agradece a fada e envia imediatamente seus mensageiros para todas as cidades, aldeias e lugarejos. Voltam das suas pesquisas com a triste constatação: Nenhum homem feliz no seu reino. Mas faltava chegar um mensageiro. Ele se extraviara e foi parar num recanto escondido, onde morava um lenhador com a esposa e filhos. Fez pela milésima vez fez a mesma pergunta: - E vocês vivem felizes neste recanto perdido do mundo? - Sim, graças ao bom Deus. Contou-lhes então a finalidade da visita: - Nosso rei está doente e disseram que ele só vai sarar se vestir a camisa do homem mais feliz do seu reino. Creio que é o seu caso. Você pode ceder sua camisa? - Xi! Eu não tenho camisa. Bendito seja Deus”. Moral da história: o homem mais feliz do reino era desprovido de bens materiais, enquanto o rei, possuidor de tesouros, vivia deprimido, doente e triste.
Amigo leitor, a felicidade não está relacionada à falta de recursos materiais e de se viver em estado de pobreza. Porém, muito menos está condicionada a termos uma vida de abastança financeira e de propriedades. Não devemos depositar nosso “tesouro” unicamente na aquisição de bens materiais, e sim buscar a felicidade e o verdadeiro reino nas coisas simples da vida. O Mestre nos afiançou: onde está o teu coração aí estará o teu tesouro.
Se vivermos em função da obtenção de propriedades materiais, aí estará nossa motivação para a felicidade, mas uma falsa felicidade e que muitas vezes pode nos levar a decepções, amarguras e depressões. Se conquistarmos só os bens materiais, sentiremos a falta de algo em nós que não se desenvolveu, os bens morais, aqueles que “a traça não rói, a ferrugem não corrói e homem não rouba”.
E quando não atingimos a conquista material, quando não conseguimos aquele bem que tanto desejamos? E quando eu queria tanto ter um “carrão” igual ao do vizinho e não consigo? O que fazer? Pode ser isso motivo de angústia e amarguras? Será que só assim efetivamente serei feliz? Vamos recordar Paulo de Tarso: “Sei viver no muito e no pouco”. Ele conheceu as duas faces: foi homem detentor de autoridade, poder e dinheiro e, em um segundo momento, já convertido, viveu só com o necessário sem se lamuriar sobre o que deixou para trás.
O desapegado Francisco de Assis
Recordemos a vida de Francisco de Assis. Certa feita o pai do Poverello (pobrezinho) viajou a negócios e deixou o filho na administração do comércio que a família possuía. Francisco, então, efetuou doações aos pobres incluindo os leprosos. Ao retornar, o pai cobra explicações pelas doações que foram realizadas. É então que acontece a famosa passagem em que Francisco de Assis se despe de suas roupas e abdica da herança e dos bens da família, para viver em estado de pobreza. Há relatos que muitas vezes ficou nu ao se despir da própria túnica para vestir os mais necessitados. Cesar Said, em o livro Francisco O Sol de Assis, em parceria com Divaldo Franco, analisando a trajetória de Francisco de Assis, informa que o desapego nos faz livre.
Entretanto, continua o autor, devemos ter cuidado em não desenvolver uma indiferença, que longe de ser uma virtude, torna-se um descaso, um descompromisso com aquilo que não queremos enfrentar ou relacionar. Diz ainda que o desapego não é uma virtude de irmos contra o mundo, abominando a vida material, mas de amor e valorização da própria existência. Amar e valorizar não significa apegar-se, ser dono, controlando e dominando tudo à nossa volta, inclusive as pessoas, a vida dos nossos semelhantes. Importante, amigo leitor, é sempre identificarmos em nós tudo aquilo que hoje nos mantém presos à existência corporal, e pouco a pouco trabalharmos o desapego para desfrutarmos da verdadeira felicidade que reside dentro de nós.
Bibliografia: - Franco, Divaldo Pereira. Said, Cezar Braga. Francisco O Sol de Assis. – 1. Ed.– Salvado: LEAL, 2015.
- Kardec, Allan, 1804-1869. O Evangelho Segundo o Espiritismo / Allan Kardec; tradução de Albertina Escudeiro Sêco. – 5. ed. – Rio de Janeiro: CELD, 2010.