
Temos acompanhado, nos últimos tempos, graves demonstrações da presença da barbárie na humanidade. E enquanto vemos as tristes imagens das atrocidades cometidas na Faixa de Gaza, assim como em outras partes do mundo, nos damos conta de que Ares, o deus grego da guerra, ainda encontra espaço nas mentes e corações humanos.
Era de se esperar, a essa altura do desenvolvimento tecnológico e científico que alcançamos, que o campo de batalha das criaturas fosse outro. Mas não é assim que ocorre, demonstrando que entre a fertilidade da nossa mente e a aridez dos nossos sentimentos existe uma distância enorme a ser percorrida, conforme as sábias palavras do Prof. Rubens Romanelli.
E isso chama a atenção de que estamos muito distantes de um desenvolvimento ideal, e que se o desejarmos teremos que construir novas bases para a humanidade, nos pautarmos em valores mais profundos do que os que nos têm sustentado até então.
Certamente que é importante que as grandes nações e organismos internacionais estudem mecanismos de deter essas lutas de extermínio, mas tão ou mais importante do que isso é cada um se questionar:
- Qual é a minha parcela de responsabilidade nisso?
Pode parecer estranho que nós, milhares de quilômetros distantes, tenhamos alguma parcela de culpa ou responsabilidade pelas guerras distantes. Mas se pensarmos bem e formos sinceros, quantas vezes também somos opressores e agressivos para com a vida? Quantas vezes, por nos acharmos superiores aos outros, não medimos as consequências dos nossos atos?
É que, enquanto desconheço o meu mal, o meu poder bélico continua a atingir os outros, e também a mim mesmo. Oprimimos os nossos mais belos e profundos sentimentos, e isso também faz falta à humanidade. Mantemos guerra com os nossos próprios pensamentos, demonstrando que existem forças em descontrole muito próximas a nós.
É fácil condenar os terroristas, mas será que, em nosso mundo íntimo, também não existem partes inconsequentes, que às vezes ganham força no comportamento consciente? O psiquiatra Carl Gustav Jung chamava essa parte de Sombra – o que desconhecemos e/ou negamos em nós – e que por isso mesmo age à revelia da consciência. Existem túneis desconhecidos na nossa alma, e que precisamos encontrar para poder iluminá-los. A insanidade não poupa sequer as crianças, vítimas indefesas das tragédias, e é urgente socorrê-las e proporcionar o mínimo de alívio nessa era de destruição. Mas também temos que firmar o compromisso de encontrar a nossa Criança Ferida, parte do mundo íntimo que se encontra desprovida ou carente de afeto, e que precisamos cuidar para que não se rebelem e se voltem contra nós mesmos.
Nas guerras nem mesmo os templos religiosos têm sido respeitados. Mas será que respeitamos a nossa religiosidade, e fazemos dela uma ponte para encontro com Deus, ou nos mantemos na superfície dessas questões, e utilizamos a religião ainda como bengala? Pelo número de guerras religiosas que existem, vemos que ainda são muito poucos os que se aprofundam na vivência dos princípios religiosos, que em sua essência pregam paz, solidariedade, amor e fraternidade.
Há uma grande cisão psíquica no ser humano, uma guerra interna que precisa ser cuidada urgentemente, pois somente seres humanos melhores e de bem consigo mesmo poderão construir um mundo melhor, e isso passa por nossa transformação.
É preciso resgatar os valores que perdemos, e seguir os exemplos dos grandes homens e mulheres que nos ensinaram ao longo do tempo. Um deles viveu bem próximo aos campos de batalha da atualidade. Falou de amor e o exemplificou de maneira ímpar. E quando se encontrava caído, injustiçado e traído por quem mais amava, curvado sobre o peso da cruz, falou de maneira profética:
- “Filhas de Jerusalém, não choreis por mim; chorai antes por vós mesmas, e por vossos filhos. Porque eis que hão de vir dias em que dirão: Bem-aventuradas as estéreis, e os ventres que não geraram, e os peitos que não amamentaram!“1
Esse dia chegou, bem o vemos. Mas que através da nossa atitude chegue também um novo dia, em que nos amemos e respeitemos, independente de raça, cor ou credo religioso. Que o nosso campo de batalha seja a nossa própria consciência, onde possamos deter o próprio mal, e transformá-lo em força a favor da vida. Nesse dia, não será mais o deus da guerra a nos atormentar, mas a força do amor a nos conduzir.
1 Evangelho de Lucas 23: 28-29