
O Ministério Público Federal pede retirada de vídeos de cultos evangélicos discriminando as práticas religiosas de matriz africana do YouTube – Sentença inicialmente diz que Umbanda e Candomblé não são religiões – Juiz diante da pressão da sociedade volta atrás – Manifesto da Federação Espírita Brasileira solidarizando-se com os umbandistas e candomblecistas
O FATO
A Justiça Federal no Rio de Janeiro emitiu uma sentença na qual considera que os cultos afro-brasileiros não constituem religião e que “manifestações religiosas não contêm traços necessários de uma religião”. A definição aconteceu em resposta a uma ação do Ministério Público Federal (MPF) que pedia a retirada de vídeos de cultos evangélicos que foram considerados intolerantes e discriminatórios contra as práticas religiosas de matriz africana do YouTube.
O juiz responsável entendeu que, para uma crença ser considerada religião, é preciso seguir um texto base – como a Bíblia Sagrada, Torá, ou o Alcorão, por exemplo – e ter uma estrutura hierárquica, além de um deus a ser venerado.
A ação do MPF visava a retirada dos vídeos por considerar que o material continha apologia, incitação, disseminação de discursos de ódio, preconceito, intolerância e discriminação contra os praticantes de umbanda, candomblé e outras religiões afro-brasileiras. “Para se ter uma ideia dos conteúdos, em um dos vídeos, um pastor diz aos presentes que eles podem fechar os terreiros de macumba do bairro”, disse o procurador regional dos Direitos do Cidadão, Jaime Mitropoulos.
De acordo com o site Justiça em Foco, o MPF vai recorrer da decisão em primeira instância da Justiça Federal para continuar tentando remover os vídeos da plataforma de streaming do Google.
“A decisão causa perplexidade, pois ao invés de conceder a tutela jurisdicional pretendida, optou-se pela definição do que seria religião, negando os diversos diplomas internacionais que tratam da matéria (Pacto Internacional Sobre os Direitos Civis e Políticos, Pacto de São José da Costa Rica etc.), a Constituição Federal, bem como a Lei 12.288/10. Além disso, o ato nega a história e os fatos sociais acerca da existência das religiões e das perseguições que elas sofreram ao longo da história, desconsiderando por completo a noção de que as religiões de matizes africanas estão ancoradas nos princípios da oralidade, temporalidade, senioridade, na ancestralidade, não necessitando de um texto básico para defini-las”, argumentou Mitropoulos.
JUIZ VOLTA ATRÁS
Porém, o juiz da 17ª Vara de Fazenda Federal do Rio de Janeiro, Eugênio Rosa de Araújo, reviu os fundamentos da sentença em que havia declarado que candomblé e umbanda não se tratam de religiões e sim de cultos. A mudança de postura foi anunciada no início da noite do dia 20 de maio de 2014, em nota divulgada pela assessoria de imprensa da Justiça Federal do Rio de Janeiro. No texto em que admite o erro e modifica parte do conteúdo da sentença, ele afirma que “o forte apoio dado pela mídia e pela sociedade civil, demonstra, por si só, e de forma inquestionável, a crença no culto de tais religiões”.
Eugênio Rosa, que havia sido alvo de pesadas críticas pela declaração inicial, reforça que está promovendo uma “adequação argumentativa para registrar a percepção deste Juízo de se tratarem os cultos afro-brasileiros de religiões”. Em outro trecho do novo texto, ao falar sobre religiões, ele justifica que “suas liturgias, deidade e texto base são elementos que podem se cristalizar, de forma nem sempre homogênea”. Na sentença original, o magistrado havia sustentado que, para ser considerada religião, uma doutrina tem que seguir um livro-base, como o Corão ou a Bíblia, por exemplo, o que não acontecia, segundo ele, com as crenças de matrizes africanas.
O Juiz não mudou, no entanto, o teor da sentença em si. O magistrado reitera a negativa dada na ação movida pelo Ministério Público Federal do Rio de Janeiro que pedia retirada do YouTube de 15 vídeos considerados ofensivos à umbanda e ao candomblé. Na mesma nota, via assessoria, o juiz federal informa que “manteve o indeferimento da liminar pela retirada dos vídeos no Google postados pela Igreja Universal e esclarece que sua decisão teve como fundamento a liberdade de expressão e de reunião”.
MANIFESTO DA FEDERAÇÃO ESPÍRITA BRASILEIRA
Sobre esse ato de intolerância religiosa a Federação Espírita Brasileira solidarizou-se com os nossos irmãos Umbandistas e Candomblecistas, através do Ofício nº 29/2014, de 21 de maio de 2014, manifestando-se sobre a decisão da justiça sobre religiões de matriz africana, cujo teor é ó seguinte:
“A Federação Espírita Brasileira – FEB vem a público solidarizar-se com as religiões de matrizes africanas, em especial ao Candomblé e Umbanda, no reconhecimento de suas características religiosas e na necessidade de respeito à diversidade religiosa pelos poderes públicos constituídos no dever de garantia da laicidade do Estado.
Em um momento que as diversas expressões religiosas se unem para um diálogo contra a intolerância, imprescindível se faz o repúdio às ações discriminatórias que ofendem os Direitos Humanos gerando preconceito e fanatismo.
A lição de amor ao próximo conduz, necessariamente, à formação de uma sociedade que promova o respeito e o diálogo inter-religioso fomentando a fraternidade e solidariedade entre todos, bem como liberdade de consciência e de crença. Cordialmente, Antonio César Perri de Carvalho - Presidente da Federação Espírita Brasileira – FEB.
Por fim, destacamos que este gesto da Casa Máter do Espiritismo no Brasil está respaldado nas palavras Do Benfeitor Espiritual, Emmanuel, pelo médium Chico Xavier, ao afirmar que:
“A Doutrina Espírita, revivendo o Cristianismo puro, é a religião da solidariedade.
“Todas as religiões são credoras de profundo respeito e de imensa gratidão pelos serviços que prestam à Humanidade. Nós, porém, os Espiritas encarnados e desencarnados, não podemos esquecer que somos chamados a reviver o Cristianismo puro, a fim de que as leis do Bem Eterno funcionem na responsabilidade de cada consciência.”